Publicado originalmente em 10/01/2014 na coluna Espaço LGBT do jornal ES Hoje. Ligeiramente corrigido em relação ao texto do jornal.
Quem lê esta coluna sabe que costumo
associar sexo com o Bem, não com doença ou pecado - mas não ignoro que haja
crimes bárbaros envolvendo o desejo sexual. Isso significa que ele é perigoso e
deve ser reprimido? Analisemos um caso: em São Paulo um rapaz perfeitamente
agradável fazia amizade com garotas e terminava convidando-as a passear nas
belas matas do Parque do Estado. Lá fazia sexo com elas e em seguida as
estrangulava e enterrava.
Fazia isso porque ninguém “colocou
limites”, ensinando que é errado matar? Ridículo! Quem tem noção da alma humana
vê de imediato que o mais provável é que algo lhe tenha incutido muito cedo
(talvez ainda antes de falar) que sexo é algo muito, muito feio; imperdoável. E
portanto é preciso livrar-se das testemunhas de ter cometido tal “barbaridade”:
a de dar satisfação ao seu desejo normal,
mesmo com quem também o desejava!
Também é parte da normalidade do desejo que
ele volte sempre - e que, até meados da vida, seja uma força irresistível, que
pode deixar seu sujeito completamente bêbado de hormônios para forçá-lo a
satisfazer-se; pode mudar de objeto, mudar de forma, mas nunca desiste de
buscar sua satisfação. No caso acima, isso significou que houve vítimas em
série. Culpa do desejo? Não: culpa da
culpa que alguém um dia associou ao desejo (talvez com a melhor das
intenções), sem o que esse jovem conseguiria se satisfazer normalmente, em
prazer compartilhado e sem violência.
Não há como não lembrar as palavras de
Jesus em Lucas 11:46: Ai de vós, doutores
da lei, que carregais os homens com pesos que não podem levar... E o mesmo
versículo conclui: mas vós mesmos nem
sequer com um dedo vosso tocais os fardos. Coisa daqueles tempos? Ora,
quantos casos temos conhecido de líderes religiosos, ordenados ou leigos, que
atacam duramente a homossexualidade (que nem é perversão!), acusando jovens de
“darem lugar ao diabo” quando a assumem - e depois são reconhecidos pelos
mesmos jovens num cinemão, num perfil fake
na internet, num ponto de pegação!
Não, não estou fantasiando: falo de casos
concretos conhecidos. E não os acuso por estarem sendo humanos: acuso por
venderem regras que eles sabem, de suas próprias vidas, que são pesos que homens não podem levar - e que
portanto não podem ter sido impostas pelo mesmo Deus que, segundo eles, criou
esses homens como criou. A taxa de suicídio é três vezes mais alta entre jovens
gays que na média geral - e os suicídios ocorrem especialmente depois que o
jovem procurou uma pessoa mais experiente da qual esperava compreensão e
acolhimento, e se viu rejeitado por ela. Será preciso dizer mais?
A liberdade não garante um mundo sem
perversões de um dia para o outro - mas coloca o mundo no rumo virtuoso da
superação gradual das perversões. Precisamente o contrário acontece com a
repressão. Como escreveu William Blake já por volta de 1790 (tradução nossa): Abster-se do prazer joga areia / nos membros
e cabelos flamejantes; / desejo satisfeito aí semeia / vida e beleza
frutificantes.*
* Abstinence sows sand all over / The ruddy limbs and
flaming hair, / But Desire gratified / Plants fruits of life and beauty there.
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