Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

08 agosto 2013

O direito e o torto em liberdade e em repressão

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PUBLICADO ORIGINALMENTE NO JORNAL ES HOJE, em 13.07.2013



Em junho prometi seguir detalhando as 1001 Diversidades da sexualidade - e não deixarei de cumprir. Mas, conversando com gente que leu a coluna, ouvi falas como “para mim até tal ponto vai - mas tal outra coisa já passa dos limites” - e percebi que antes de prosseguir é fundamental conversar sobre isso: existem mesmo esses limites? E, se existem, quais são? Existem, p.ex., mulheres trans que anteriormente viviam o papel de homem em um casamento hétero, fizeram operação de transgenitalização, e quiseram continuar vivendo com a esposa de antes num casamento lésbico. E aí? Conheço quem fique indignado dizendo que isso passa dos limites - e quem veja aí uma comovente história de amor.

Há mais de cem anos surgiu a psicanálise. Milhões de pessoas já foram analisadas, e se descobriu que todos têm fantasias sexuais que não dá pra falar, pois vão bem além do que as pessoas dizem umas pras outras que é o normal. Por volta de 1950 Alfred Kinsey pesquisou também as práticas de milhões de pessoas - e se comprovou o dito de Nelson Rodrigues: de perto ninguém é normal!

Então a Ciência diz que pode tudo? Não! A Ciência descreve o que acontece, quem analisa o que se pode é a Ética, filha da Reflexão com a Investigação, mestra de todo Direito digno desse nome (Ética filosófica, não a da tradição, pois esta, religiosa ou não, costuma ser só desculpa para manter a Lei do Mais Forte - que é a própria negação do Direito). E a primeira coisa que a Ética diz é o óbvio que todo mundo pensa que entende - só que não: o limite da liberdade de um é a liberdade do outro. Também na cama: o que dois (ou mais!) fazem por querer, sem um forçar o outro, por que não poderiam? É esse o único limite necessário: quando se força alguém a fazer algo, aí devemos entender que há crime - não por se tratar de sexo, e sim porque, ao tratar um ser humano como objeto, lhe estamos violentando o órgão que o faz ser humano: sua liberdade.

Estuprar, fazer entregar a carteira ou a vida, ou criar situações que obriguem o outro a aceitar condições de trabalho indignas para não ver os filhos na fome, são no fundo a mesma coisa. Forçar o outro devia ser considerado crime sempre, exceto em um caso: reprimir a execução desses crimes, o que não é violentar nenhuma liberdade legítima: é impedir que a liberdade primária de alguém, legítima, seja destruída por uma liberdade nível 2, ilegítima. Já a liberdade nível 3, que reprime a nível 2, é legítima, pois significa proteger a liberdade primária, a qual é a própria humanitude de cada ser humano.

Então está claro: forçar o outro a fazer o que ele não quer é crime. E forçar o outro a não fazer o que ele quer? Se um homem quer beijar outro, e o outro também quer, a liberdade de impedir não é direito de ninguém, é um torto a ser reconhecido como crime - e pregar que dois homens que se beijam livremente devam ser reprimidos, reconhecido como crime de incitação ao crime. Reprimir tais crimes contra a humani/liber/dade é mais que um direito: tem que ser também um dever.
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