Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

27 agosto 2011

A Defesa da Educação entre os "Movimentos que São o que Dizem" e a "Legião dos Inocentes Úteis a Causas Nocivas"

.Ralf Rickli • julho-agosto de 2011

EXISTEM MOVIMENTOS E LUTAS QUE SÃO O QUE DIZEM - e existem os que alegam objetivos que parecem inquestionáveis com a finalidade de camuflar intenções para lá de questionáveis. Pra facilitar, vou chamar aqui de MOVISSÃO (MOVimentoS que SÃO o que dizem) e de MOVINÃO (espero que não precise explicar...)


Não é que todo mundo nos MOVINÃO seja mal intencionado! Pelo contrário, a camuflagem visa especialmente a atrair as multidões afetadas pela Síndrome de BOIEQ (BOas Intenções EQuivocadas), multidões que também poderíamos chamar de LIUCAN (Legião dos Inocentes Úteis a CAusas Nocivas), ou seja: a parte passiva no vasto campo das instituições humanas onde quem não está enganando está enganado, e vice-versa.


Também não é que todo mundo nos MOVISSÃO seja o que diz: provavelmente nunca houve ajuntamento humano sem quintas-colunas e caroneiros com intenções privadas - problema que não é simples e tem que ficar pra outro dia: o que é preciso agora é distinguir os MOVSÃO dos MOVNÃO pra ver em seguida como isso se aplica a um campo específico que está na ordem do dia.


Talvez não haja pratos mais cheios para o MOVINÃO usar de isca para a Legião dos Inocente Úteis que as palavras Educação, Liberdade de Expressão e Paz, além de motes como Chega de Corrupção.


Não estou dizendo que todo mundo que usa essas palavras seja mal intencionado! É óbvio que elas apontam para causas boas, objetivos justificadamente desejáveis - e é por isso que servem tão bem como disfarce... e por isso que cada uso seu deve acordar nosso olho vivo, nossa atividade crítica - palavra que no sério não significa 'atacar' e sim 'passar por um crivo' (isto é, 'peneira').


E talvez a primeira pista de se alguém pretende-mesmo-o-que-diz seja a objetividade ao se manifestar, o dar nome aos bois.


Exemplo: gritar "basta de corrupção": é preciso especificar de quê pessoas ou instituições específicas estou reivindicando que executem os atos concretos de investigar, afastar, punir, restabelecer um funcionamento correto.


E isso também envolve dar apoio a essas pessoas ou instituições para a execução das tarefas que reivindiquei, inclusive com o reconhecimento do que já tenham realizado de positivo - pois, se devem executar, precisam ter força para executar, de modo que atacá-las e enfraquecê-las não ajuda, e sim dificulta a obtenção dos objetivos.


E se eu achar que as pessoas encarregadas não são competentes os idôneas? Então me cabe mostrar isso com dados concretos, sem omissões que falseiem a imagem de conjunto, e dizer o que proponho no lugar.


Além disso, é claro que devo nomear especificamente cada caso do qual tenho pistas consistentes, com todos os envolvidos, tanto os vendedores quanto os compradores das vantagens ilícitas. - A propósito, não é esquisito que no caso do mensalão só se costume acusar os supostos corruptores (compradores), e nos casos da compra de favores por agentes privados, só os vendedores? Mas hora dessas volto a isso. No momento a atenção é requerida com mais urgência pelo seguinte: 


AS LUTAS PELA EDUCAÇÃO no MOVISSÃO e no MOVINÃO. Não faz muito tempo, causou furor na internet o vídeo em que a professora Amanda Gurgel, do Rio Grande do Norte, aparece "passando um sabão" nas autoridades do seu estado, cara a cara com elas numa audiência pública sobre a educação. (Ainda não viu? Basta buscar no YouTube com o nome dela)


Interessante que a fala da profª Amanda teve um foco único: a questão salarial. Para ela, antes de uma melhoria nesse sentido nem adianta discutir qualquer outro aspecto da questão "qualidade da educação". E, como vamos detalhar mais adiante, sua reivindicação ali não é outra senão a dos professores atualmente em greve em quase metade dos estados brasileiros.


E por falar nessa greve... onde está agora a multidão que compartilhou o vídeo da profª Amanda na net com rasgados elogios? Está dando continuidade à mesma luta com apoio à greve, claro e inequívoco? Eu, pelo menos, não estou vendo; tenho visto uns chamamentos genéricos a manifestações "pela educação" que sequer mencionam a greve e seu motivo específico. Será que quem compartilhou estava mesmo interessado nos objetivos da luta da profª Amanda, ou estava apenas curtindo um prazerzinho de desforra por ver alguém peitando autoridades, "aqueles que têm poder enquanto eu não tenho"?


Neste ponto é preciso advertir depressa: eu mesmo não acho que a luta pela qualidade da educação se restrinja à questão salarial. Neste momento ela é essencial sim (já veremos por quê) e não pode deixar de ser mencionada, mas também existe uma infinidade de problemas decorrentes da insistência em atrelar os processos educativos a formatos ineficientes e superados, e da preparação quase sempre absolutamente inadequada que os professores recebem nos seus cursos de formação.


Com os dois campos acima mais o salarial, já temos três campos específicos aos quais dirigirmos manifestações pela educação - embora ainda seja preciso detalhar a favor do quê e contra o quê estamos nos posicionando em cada um desses campos.


No entanto a maior parte dos convites que vemos na net é para manifestações genéricas, inespecíficas - p.ex. um certo "Protesto a favor da educação". Ué... mas existe alguém que seja contra a educação? De verdade?


Neste ponto podem me responder os protestos não são a favor da mera existência, e sim da qualidade. Ótimo, acima eu também falei de questões de qualidade que me preocupam - e então pergunto: em qual qualidade os organizadores estão pensando? Pois há concepções absolutamente diversas do que sejam os objetivos da educação, e qualidade tem a ver com eficiência no cumprimento de objetivos. Quer dizer: uma escola de altíssima qualidade para quem acredita no objetivo X pode parecer de péssima qualidade para quem acredita no objetivo Y.


No momento não pretendo me estender sobre esta frente que dá pano pra manga, e a deixo amarrada no seguinte poste: quem viu esta notícia? "SOBRAM 76 MIL VAGAS EM CURSO DO MEC PARA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES" (ver link 1 no final). Ou seja: o governo federal criou e ofereceu canais gratuitos de aperfeiçoamento de professores, e só houve procura para 11% das vagas. Isso indica falhas no projeto, ou problemas na autoconsciência dos professores? Garanto que incorrerá em maniqueísmo falseador quem marcar apenas uma dessas duas respostas! Mas o que quero mesmo destacar é que essa informação foi divulgada na mesma época do vídeo da profª Amanda Gurgel e do chamamento ao "Protesto a favor da educação". Por que não vi ninguém comentando esse dado na net?


Enfim, a palavra "protesto" não faz sentido se não for contra algo ou contra alguém: se for só "a favor" é manifestação, mas não cabe a palavra protesto - e os organizadores não devem ignorar essa característica da palavra. Por que então lançaram com o nome de protesto esse movimento cujo "a favor" tem tudo para conquistar legiões de bem intencionados, porém deixaram em branco o lugar do "contra quem"?


Verdade que o "contra quem" está em branco no título e nos materiais de apresentações principais, mas em inúmeros comentários e materiais secundários aparecem expressões como "o descaso do governo com a educação". E aí só posso olhar e perguntar: governo? Qual?


RESPONSABILIZAR O GOVERNO. MAS QUAL? A Federação brasileira (ou União) é governada por três poderes independentes, não poucas vezes contraditórios (fora um monte de instâncias que não se encaixam claramente nesse esquema básico). Além desses 3 temos os 27 executivos, 27 legislativos e 27 judiciários dos estados mais DF... sem falar dos 5565 executivos e 5565 legislativos municipais. Do descaso de quais dessas 11.214 instâncias de poder vocês estão falando, meus senhores?


Não, não estou estando cínico: está aí a luta pra lá de séria dos professores em greve, que decorre precisamente das contradições entre essas diferentes instâncias de poder - e também era isso o que estava por trás do discurso da profª Amanda, que tantos reproduziram sem nem conhecer os fatos a que se referia.


Acontece que já faz três anos que o governo federal instituiu um piso mínimo para a remuneração de professores no Brasil, através da lei 11.738 de 16/07/2008. Entre outras coisas, a lei afirma que nenhum professor brasileiro poderá trabalhar mais que 40 horas semanais, e que por um tal trabalho de 40 horas semanais nenhum poderá receber menos que (em valores atualizados para 2011 nos termos da lei) R$ 1.187. (Links 2, 3 e 4).


Pouco por 40 horas de tão tremendo trabalho? Verdade - mas já um começo de melhora... que grande parte dos governos estaduais e municipais vem se recusando a cumprir.


Os senhores estão entendendo isso? Que a normalidade institucional do país está sendo afrontada pela insistência dos estados em não melhorarem as condições dos professores nem nesse mínimo ordenado pelo governo federal?


Não é evidente que num tal momento todos que de fato querem o bem da educação deveriam apoiar a autoridade do governo federal nesse embate? E que quando se dá a entender que "o governo" é omisso e relapso em relação à educação, sem especificar qual ou quais governos, está se tentando subrepticiamente transferir a culpa, na opinião pública, dos verdadeiros culpados justamente para a instância que mais está a favor da educação nessa história, o governo federal?


Ou seja: é evidente que não se trata na verdade de nenhuma luta pela educação e sim de arregimentação de inocentes úteis para enfraquecer um governo cuja grande "falha" é apenas não estar nas mãos dos grupos de poder tradicionais no país - justamente os que mais vêm resistindo a cumprir até mesmo essa "lei do passo insuficiente a frente, mas ainda assim um passo".


O TAMANHO DO "PEQUENO PASSO". Acabo de dizer que a lei federal do piso salarial ainda é um passo insuficiente, e muitos poderiam dizer: então por que esse governo interessado na educação não avança de vez até os R$ 1.597,87 reivindicados como piso pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação? (Link 5). Afinal, o que são R$ 410 a mais?


Pois está aí um ótimo exemplo de que para participar da política precisamos também de um "piso de responsabilidade", se de fato queremos que nossa ação seja benéfica - e esse mínimo indispensável de responsabilidade consiste em buscar se informar consistemente da realidade do assunto antes de sair expressando qualquer opinião: alguém aqui tem noção de por quantos professores o número acima teria que ser multiplicado?


Eu mesmo não tenho esse número, mas tenho alguns outros que dão uma noção suficiente da ordem de grandeza em questão: em GATTI & BARRETO (link 6) podemos ler que professores e profissionais de saúde representam a principal carga orçamentária dos estados nacionais. Em 2006 o cargo de professor respondeu por não menos que 8,4% dos empregos existentes no Brasil, somente abaixo dos escriturários (15,2%) e dos trabalhadores dos serviços (14,9%), e muito acima do conjunto da indústria extrativa e da construção civil que, apesar de serem geralmente usadas como principal indicador das variações da oferta de empregos, não respondem por mais de 4% destes - menos que metade dos empregos como professor!


Em números absolutos, nesse mesmo 2006 a RAIS registrou 2.803.761 empregos como professor no Brasil, sendo 77% na educação básica (ensinos infantil+fundamental+médio), ou seja: 2.159.269.


Vamos supor (o que não é real mas dá uma ideia dos números) que esses 2.159.269 professores ganhassem os mesmos 930 reais que a profª Amanda Gurgel contou serem o seu salário: com seus encargos, isso significaria uma folha de pagamentos de mais de R$ 3.230.000.000 (três bilhões e duzentos e trinta milhões de reais) por mês.


O aumento do salário de cada um desses professores até o piso já determinado pelo governo federal e contestado pelos estados significaria (com encargos) um acréscimo mensal da ordem 870 milhões de reais, ou aproximadamente mais 10 bilhões e meio de reais investidos por ano apenas nessa aspecto (dos muitos da educação) que é a remuneração dos professores.


No conjunto de todas as necessidades de um país, quê governo pode modificar com leviandade números dessa ordem em seu orçamento?


Com isso não estou dizendo que acho irresponsáveis os professores que já começam a pedir o piso de R$ 1.597,87! De jeito nenhum: é a parte que lhes cabe jogar no jogo! Mas quanto aos demais cidadãos interessados em lutar pela educação, já não é um grande passo que passem a declarar seu apoio ao governo federal na imposição do piso de R$ 1.187, a que tantos estados e municípios resistem?


E quanto a quem vier falar do "descaso do governo com a educação", vou pedir que explicite de qual governo está falando.


Se não souber dizer, vou sugerir que tenha a responsabilidade de se informar antes de abrir a boca, para não acabar dando tiro no pé.


Mas se me disser que fala do governo federal, vou simplesmente mandar pastar: não tenho tempo a perder com esse segundo e muito grave nível de irresponsabilidade - no caso dos inocentes úteis -, e menos ainda com a nauseante perfídia de seus falsíssimos arregimentadores.


FONTES REFERIDAS
(acesso em 26 jun. 2011) 

(1) http://noticias.uol.com.br/educacao/2011/05/27/sobram-76-mil-vagas-em-curso-do-mec-para-formacao-de-professores.jhtm
(2) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11738.htm
(3) http://noticias.uol.com.br/educacao/2011/08/16/professores-de-escolas-publicas-fazem-paralisacao-nacional-para-cobrar-cumprimento-da-lei-do-piso.jhtm
(4) http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18290
(5) http://www.mundosindical.com.br/sindicalismo/noticias/noticia.asp?id=6916
(6) GATTI, Bernadete Angelina (coord.) & BARRETO, Elba Siqueira de Sá. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001846/184682por.pdf . Acesso em 26 jun. 2011.



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Ralf Rickli • arte em palavras, ideias e educação
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21 agosto 2011

Zizek e H.Villela: 2 textos ótimos sobre o momento histórico mundial (deu no Azenha)

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Não tenham preguiça de ler o texto um pouco longo de Slavoj Zizek: é a primeira análise profunda e abrangente que encontro do conjunto de diferentes levantes de 2011; a primeira que faz jus à complexidade da realidade. (O quanto eu gostaria que tudo fosse mais simples!, mas o fato é que não é: quem fala de qualquer coisa real como se não fosse complexa, ou está enganado ou está enganando!)

O breve artigo de Heloísa Villela faz um excelente contraponto ao de Zizek por trazer uma imagem da situação estadunidense, enquanto este trata basicamente da Europa e espaço islâmico.

Deixo claro que não acho que as populações do mundo estejam acordando com seu levante enquanto a do Brasil continua passiva e adormecida; primeiro porque, como mostra Zizek, esses levantes são justificadíssimos porém definitivamente lhes falta consciência (dos seus próprios contextos - tanto o próximo quanto o mais amplo - bem como de si mesmos); segundo, porque repetir aqui o mesmo tipo de levante seria uma inconsciência ainda maior: é claro que há milhares de questões graves a enfrentar no Brasil - mas na maior parte do resto do mundo há dezenas de milhares.

E quando a secretária-geral da CSI - maior central sindical do mundo - vem ao Brasil "pedir ajuda a Dilma para defender os pontos de vista trabalhistas" num mundo que se tornou hoje "um lugar muito perigoso para os trabalhadores", pois acredita que "o Brasil e sua presidenta colocam as pessoas no centro das políticas nacionais” e "possuem liderança global" (*), fica ainda mais evidente o quanto aqui e agora é um tiro no pé qualquer protesto que não identifique com a maior clareza, objetividade e detalhamento quais são suas metas concretas e quem são seus inimigos, e que não veja nosso executivo federal atual como um aliado a quem fortalecer com sugestões e reivindicações, mas jamais a combater e enfraquecer.

Ou seja: em nenhum lugar do mundo hoje o momento é tão outro quanto no Brasil, e querer transferir para cá atitudes geradas por outro tipo de contexto seria mais uma vez um exemplo de "ideias fora do lugar", ou seja: da subserviência mental do complexo de vira-lata que fantasia que o mundo de verdade é lá fora e somos sempre nós que estamos atrasados ou atravessando o passo, enquanto que neste momento o mundo inteiro olha para nós justamente como os que estão com o passo menos inadequado.

(*) http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18274

Obs.: TODO CRÉDITO AO LUIZ CARLOS AZENHA, E AO COLETIVO DA VILA VUDU QUE TRADUZIU O TEXTO DE ZIZEK, E AINDA À AGÊNCIA CARTA MAIOR, POR COLOCAREM ESTES MATERIAIS EM CIRCULAÇÃO NO BRASIL. Estou aqui apenas ajudando a ecoar, reproduzindo no meu próprio blog apenas para possibilitar uma determinada recombinação desses materiais.




ASSALTANTES DE LOJINHAS DO MUNDO, UNI-VOS...

19/8/2011

por Slavoj Zižek, London Review of Books, vol. 33, n, 16
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/assaltantes-de-lojinhas-do-mundo-uni-vos.html
Tradução do Coletivo da Vila Vudu

A repetição, segundo Hegel, tem papel crucial na história: se alguma coisa acontece uma única vez, pode ser descartada como acidente, algo que poderia ter sido evitado se a situação tivesse sido conduzida de modo diferente; mas quando um mesmo evento repete-se, é sinal de que está em curso um processo histórico mais profundo. Quando Napoleão foi derrotado em Leipzig em 1813, pareceu má sorte; quando foi derrotado outra vez em Waterloo, ficou claro que seu tempo acabara. Vale o mesmo para a continuada crise financeira. Setembro de 2008 foi apresentado como anomalia que podia ser corrigida com melhores regulações e controles; hoje se acumulam sinais de quebradeira nas finanças e já é evidente que estamos lidando com fenômeno estrutural.

Dizem e repetem e repetem que atravessamos uma crise da dívida e que todos temos de partilhar a carga e apertar os cintos. Todos, exceto os (muito) ricos. Aumentar impostos sobre muito ricos é tabu: se se fizer isso, diz o mesmo argumento, os ricos não terão incentivo para investir, haverá menos empregos e todos sofreremos mais. A única salvação, nesses tempos duros, é os pobres ficarem cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. O que devem fazer os pobres? O que podem fazer?

Embora os tumultos de rua na Grã-Bretanha tenham sido desencadeados pela morte de Mark Duggan, todos concordam que manifestam mal-estar mais profundo – mas que tipo de mal-estar? Como quando se queimaram carros nos subúrbios de Paris em 2005, os agitadores de rua na Grã-Bretanha não tinham mensagem alguma a comunicar. (Há aí claro contraste com as manifestações massivas de estudantes em novembro de 2010, que também geraram violência. Os estudantes deixaram bem claro que rejeitavam as propostas de reformas na educação superior.) Por isso é difícil pensar sobre os agitadores de rua britânicos em termos marxistas, como uma instância da emergência do sujeito revolucionário; encaixam-se muito mais facilmente na noção hegeliana de “ralé”, “escória” [orig. ‘rabble’], espaços marginais organizados, que manifestam o próprio descontentamento mediante explosões ‘irracionais’ de violência destrutiva – que Hegel chamava de “negatividade abstrata”.

Há uma velha história sobre um operário suspeito de roubo: todas as tardes, ao sair da fábrica, o carrinho-de-mão que ele empurra é cuidadosamente revistado. Os guardas nada encontram; o carrinho está sempre limpo. Até que a ficha cai: o operário roubava um carrinho-de-mão por dia. Os guardas não viam a mais visível verdade, exatamente como os jornalistas e especialistas e autoridades que comentaram os tumultos de rua. Dizem-nos que a desintegração dos regimes comunistas no início dos anos 1990s marcaram o fim da ideologia: o tempo dos projetos ideológicos em grande escala que culminaram em catástrofe totalitária está acabado; teríamos entrado numa nova era de política racional, pragmática. Se o lugar-comum de que vivemos numa era pós-ideológica é correto em algum sentido, pode-se ver nas recentes explosões de violência. Foi protesto de grau-zero, ação violenta sem demandas. Em sua tentativa desesperada para encontrar algum sentido nos tumultos, sociólogos e jornalistas deixaram passar sem qualquer registro o enigma que os tumultos nos impuseram.

Os que protestavam, oprimidos e socialmente excluídos de facto, não vivem risco de morrer de fome. Gente que sobrevive em condições materiais muito piores, sem falar das condições de opressão física e ideológica, têm conseguido organizar-se em forças políticas com agendas políticas claras. O fato de os agitadores não terem programa é, portanto, ele mesmo, fato que exige interpretação: diz muito sobre nossa pregação político-ideológica e sobre o tipo de sociedade em que vivemos – uma sociedade que celebra a escolha, mas na qual a única escolha possível é um consenso democrático obrigatório praticado como repetição sem pensamento [ing. a blind acting out].

Nenhuma oposição ao sistema consegue articular-se como alternativa realista, sequer como projeto utópico, e só consegue assumir a forma de explosão sem meta ou significado. O que significaria nossa tão celebrada liberdade para escolher, se a única escolha possível é jogar pelas regras ou a violência (auto)destrutiva?

Alain Badiou argumentou que vivemos num espaço social que cada dia mais é experienciado como “sem mundo” [orig, ‘worldless’]: nesse espaço, a única forma que o protesto pode assumir é a violência sem sentido.

Talvez aí esteja um dos principais perigos do capitalismo: embora, porque é global, o capitalismo inclua todo o mundo, ele mantém uma constelação ideológica “sem mundo”, na qual as pessoas são privadas dos meios conhecidos para localizar o significado. A lição principal da globalização é que o capitalismo pode acomodar-se a todas as civilizações, cristã, hindu ou budista, do Ocidente e do Oriente: não há qualquer ‘visão de mundo capitalista’, nenhuma ‘civilização capitalista’ propriamente dita. A dimensão global do capitalismo manifesta a verdade sem significado.

A primeira conclusão a ser extraída dos tumultos de rua, portanto, é que nenhuma das reações aos tumultos, seja a conservadora seja a liberal, é adequada.

A reação conservadora era previsível: não há o que justifique tal vandalismo; é preciso usar os meios necessários para restaurar a ordem; para evitar que explosões como aquelas se repitam no futuro, precisamos, não de mais tolerância e ajuda social, mas de mais disciplina, mais trabalho duro e senso de responsabilidade.

O que há de errado nessa narrativa não é só que ela ignora a situação social de desespero que empurra os jovens para explosões de violência mas, e talvez mais importanre, que ela ignora o modo como essas explosões são eco das próprias premissas ocultas da ideologia conservadora. Quando, nos anos 1990s, os Conservadores lançaram sua campanha de “de volta ao básico”, o complemento obseno que aí havia foi bem claramente revelado por Norman Tebbitt: “O homem não é só animal social, também é animal territorial; é indispensável incluir em nossa agenda a necessidade de satisfazer esses instintos humanos básicos de tribalismo e de territorialidade.” Porque aquela “volta ao básico” tratava, realmente, disso: de soltar os bárbaros que vegetam por baixo de nossa sociedade burguesa aparentemente civilizada, satisfazendo os “instintos básicos” dos bárbaros.

Nos anos 1960s, Herbert Marcuse introduziu o conceito de “dessublimação repressiva”, para explicar a “revolução sexual”: os impulsos humanos podem ser dessublimados, ganhar rédea solta, e, mesmo assim, permanecer submetidos aos controle capitalista – vide a indústria pornográfica [e as novelas e programas humorísticos da televisão brasileira (NTs)]. Nas ruas britânicas, durante os tumultos, o que se viu não foram homens reduzidos a ‘bestas’, mas a forma nua da ‘besta’ produzida pela ideologia capitalista.

Por sua vez, os liberais de esquerda, não menos previsíveis, agarraram-se ao seu mantra sobre programas sociais e iniciativas de integração, as quais, negligenciadas, teriam privado a segunda e terceira gerações dos imigrantes de suas possibilidades econômicas e sociais: explosões de violência seriam o único meio que ainda têm para articular a insatisfação. Em vez de nos permitir embarcar indulgentemente em fantasias de vingança, devemos nos esforçar para entender as causas profundas dos atos de violência. Saberíamos nós o que significa ser jovem em área pobre racialmente ‘complexa’, ser considerado suspeito a priori nas batidas policiais, sempre agredidos por policiais, não só desempregado mas, muitas vezes, inimpregável, sem esperanças de futuro? A implicação é que as próprias condições em que essas pessoas encontram-se tornariam inevitável que tomassem as ruas.

O problema dessa narrativa é que só lista as condições objetivas dos tumultos. ‘Agitar’, ‘tumultuar’ seria fazer uma declaração subjetiva, declarar implicitamente como alguém se relaciona com as próprias condições objetivas de vida.

Vivemos tempos cínicos. Não é difícil imaginar um agitador que, apanhado quando saqueava e incendiava uma loja e interrogado sobre suas razões, responda usando a linguagem dos sociólogos e assistentes sociais: que fale de menor mobilidade social, insegurança crescente, desintegração da autoridade paterna, carência de atenção materna na infância. Ele sabe portanto o que faz, mas mesmo assim faz.

É perda de tempo ponderar qual dessas duas reações, a conservadora ou a liberal, é a pior: como Stálin diria, as duas são piores, e isso inclui o alerta que os dois lados dão, de que o real perigo dessas explosões está na previsível reação racista da “maioria silenciosa”.

Uma das formas que essa reação assumiu em Londres foi a atividade ‘tribal’ de comunidades locais (turcos, caribenhos, sikhs), que rapidamente organizaram unidades por ‘tribos’ para vigiar suas propriedades. Os donos de lojas seriam uma pequena burguesia que defende sua propriedade contra um genuíno, embora violento, protesto contra o sistema? Ou seriam representantes da classe trabalhadora combatendo contra forças da desintegração social? Também nesse caso, deve-se rejeitar a ordem para escolher um dos lados.

A verdade é que o conflito aconteceu entre dois pólos de oprimidos: os que tiveram sucesso e conseguiram operar dentro do sistema versus os frustrados demais para continuar tentando. A violência dos agitadores foi dirigida quase exclusivamente contra seus respectivos grupos. Os carros queimados e as lojas saqueadas não foram queimados e saqueadas em bairros ricos, mas nos próprios bairros onde vivem os incendiadores e saqueadores. Não há conflito entre diferentes partes da sociedade; o conflito é, no seu aspecto mais radical, entre sociedade e sociedade, entre os que têm tudo e os que nada têm, a perder; os que nada apostaram na própria comunidade e os que fizeram as mais altas apostas.

Zygmunt Bauman caracterizou os tumultos como “atos de consumidores defeituosos e não qualificados”: sobretudo, foram manifestação de um desejo consumista atuado [orig. enacted] quando incapaz de realizar-se do modo ‘certo’ – mediante um ato de compra. Nessa medida, os tumultos também contêm um momento de protesto genuíno, sob a forma de resposta irônica à ideologia do consumo: “Vocês nos convocam para consumir e, simultaneamente, nos negam os meios para consumir do jeito ‘certo’. – Estamos consumido, do único modo possível para nós!”

Os tumultos são demonstração da força material da ideologia – excessiva, talvez, em tempos de ‘sociedade pós-ideológica’. De um ponto de vista ideológico, o problema dos tumultos não está na violência como tal, mas no fato de que a violência não é verdadeiramente autoafirmativa. É raiva e desespero impotentes mascarados como exibição de força: é inveja travestida de carnaval triunfante.

Os tumultos devem ser situados também em relação a outro tipo de violência que a maioria liberal percebe hoje como ameaça ao nosso modo de vida: os ataques terroristas e os suicidas-bomba. Nas duas instâncias, violência e contraviolência são apanhadas num círculo vicioso, as duas gerando as mesmas forças que tentam derrotar. Nos dois casos, estamos lidando com passages à l’acte [fr. no original] cegas, nas quais a violência é admissão implícita de impotência. A diferença é que, ao contrário dos tumultos na Grã-Bretanha ou em Paris, os ataques terroristas são postos a serviço de um significado – o Significado absoluto que a religião assegura.

Mas os levantes árabes não foram ato coletivo de resistência que rejeitaram a falsa alternativa entre violência autodestrutiva e fundamentalismo religioso? Infelizmente, o verão egípcio de 2011 será lembrado como o fim da revolução, quando seu potencial emancipatório foi sufocado. Os coveiros são o exército e os islâmicos. Os contornos do pacto entre o exército (que é o exército de Mubarak) e os islâmicos (que foram marginalizados durante os primeiros meses do levante, mas agora estão ganhando terreno) são cada dia mais claros: os islâmicos tolerarão os privilégios materiais do exército e, em troca, garantirão a hegemonia ideológica. Os perdedores serão os liberais pró-ocidente, fracos demais – apesar do dinheiro da CIA – para ‘promover a democracia’; e os verdadeiros agentes dos levantes da primavera, uma emergente esquerda secular que tentava montar uma rede de organizações da sociedade civil, a partir dos sindicatos e das feministas.

A situação econômica em rápida deterioração, logo, mais cedo ou mais tarde, levará os pobres, grandes ausentes dos levantes da primavera árabe, às ruas. É bem provável que haja nova explosão, e a pergunta difícil para os sujeitos políticos egípcios é: quem dirigirá, com sucesso, a ira dos pobres? Quem traduzirá essa ira em termos de programa político: a nova esquerda secular ou os islâmicos?

A reação predominante na opinião pública ocidental ao pacto entre islâmicos e o exército no Egito será, sem dúvida, um show de cinismo: nos dirão que, como o caso do Irã (não árabe) mostrou claramente, levantes populares em países árabes sempre terminam em islamismo militante. Mubarak aparecerá como diabo muito menos perigoso – melhor ficar com diabo conhecido que lidar com forças de emancipação. Contra tal cinismo, é preciso permanecer incondicionalmente aliado ao núcleo radical-emancipatório do levante egípcio.

Mas é preciso evitar também o narcisismo da causa perdida: é muito fácil admirar a beleza sublime dos levantes condenados ao fracasso.

Hoje, a esquerda enfrenta o problema da ‘negação determinada’ [orig. ‘determinate negation’]: que nova ordem deve substituir a velha ordem, depois do levante, quando houver passado o sublime entusiasmo do primeiro momento? Nesse contexto, o manifesto dos Indignados da Espanha, lançado depois das manifestações em maio, é revelador. O primeiro traço que chama a atenção é o decidido tom apolítico: “Uns de nós consideram-se progressistas, outros conservadores. Uns são religiosos crentes, outros não. Uns têm ideologias claramente definidas, outros são apolíticos, mas todos estamos preocupados e zangados com o quadro político, econômico e social que vemos à nossa volta: corrupção de políticos, empresários, banqueiros, que nos deixam indefesos, sem voz.” Protestam em nome de “verdades inalienáveis que não vemos respeitadas em nossa sociedade: o direito a moradia, emprego, cultura, saúde, participação política, livre desenvolvimento pessoal, direitos do consumidor e a uma vida saudável e feliz”. Rejeitando a violência, clamam por uma “revolução ética. Em vez de pôr o dinheiro acima dos seres humanos, devemos pô-lo a nosso serviço. Somos pessoas, não produtos. Não sou o que compro, porque compro ou de quem compro.”

Quem serão os agentes dessa revolução? Os Indignados espanhóis descartam todos os políticos, a esquerda e a direita, como corruptos e controlados pela ganância e pela sede de poder. Mesmo assim, o manifesto apresenta várias demandas, mas… dirigidas a quem? Não a eles mesmos: os Indignados (ainda) não declaram que ninguém mais fará por eles, que eles mesmo têm de ser a mudança que querem ver.

E aí está a fragilidade fatal dos recentes protestos: manifestam uma raiva autêncica que não consegue transformar-se em programa de ação positiva para mudança sociopolítica. Manifestam um espírito de revolta, sem revolução.

A situação na Grécia parece mais promissora, provavelmente devido a uma tradição mais persistente de auto-organização progressista (que desapareceu na Espanha depois da queda do regime de Franco). Mas mesmo na Grécia o movimento de protesto padece das limitações da auto-organização: os que protestam estão mantendo um espaço de liberdade igualitária sem autoridade central, um espaço público no qual todos têm o mesmo tempo para falar etc. Quando os manifestantes começaram a discutir o passo seguinte, como avançar além dos simples protestos, a maioria concluiu que não se precisava de novo partido e que não era o caso de tentar tomar o poder do estado; que o movimento faria pressão sobre os partidos políticos. Evidentemente, é muito pouco para forçar uma reorganização de toda a vida social. Para chegar lá, é indispensável um corpo forte, competente para tomar decisões rápidas e implementá-las com todo o rigor necessário.



A SOCIEDADE [ESTADUNIDENSE] PARECE ANESTESIADA

por Heloisa Villela, de Washington - 09/08/2001
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/heloisa-villela-a-sociedade-parece-anestesiada.html


Até quando?

É a pergunta que não me sai da cabeça. Existe um ponto a partir do qual tudo vai pelos ares?

O povo toma as ruas, grita, cobra… Londres está pegando fogo. Em Israel, muita gente partiu para o acampamento nas ruas e praças do pais. E aqui nos Estados Unidos, para uma parcela cada vez maior da população, motivo também não falta para exigir mudança. Mas as ruas continuam silenciosas. Verdadeiros túmulos.

Abro o computador e a primeira notícia que aparece, aqui no meu bairro: psiquiatra mata o filho e se mata em seguida. No bilhete que deixou prá trás, a mulher diz que não aguentava mais tentar driblar as dívidas e o preço da mensalidade escolar já que o filho, portador de uma doença mental, não acompanhava o ritmo da escola pública. Foi um ato de desespero. Dar cabo da própria vida seria cruel com o menino, que dependia dela para tantas coisas. Ela preferiu acabar com tudo.

Sei que existem alguns casos dramáticos pelo país afora. Não deveria me surpreender já que a situação de tantas pessoas é mesmo desesperadora e a rede de amparo social é cada vez menor. E vai diminuir ainda mais.

Aqui nos Estados Unidos, a classe média, base da economia do país, está cada vez mais pobre. E os afro-americanos e latinos, então, mais pobres ainda. Segundo a Pew Reseach Center, a distância entre as minorias e os brancos bateu recorde histórico. Entre 2005 e 2009, a renda média das famílias hispânicas, nos Estados Unidos, caiu 66%. A renda das famílias afro-americanas sofreu uma queda de 53% enquanto a renda média das famílias brancas caiu 16%.

O sonho da segurança do teto próprio se desfaz. As dívidas aumentam. Os empregos somem. Um índice de desemprego de 9,1% não é exatamente o fim do mundo. Mas todo mundo sabe que esse índice é uma piada. Uma ginástica estatística aperfeiçoada no governo Bill Clinton, que exclui da pesquisa as pessoas que passaram bom tempo procurando emprego e, por falta de resultado, simplesmente desistiram de tentar achar algo.

A mesma Secretaria do Trabalho que divulga este número desprovido de significado real também publica, discretamente, o índice de pessoas em idade produtiva que estão trabalhando em empregos de horário integral. Ou seja, nada de juntar aqui os que têm um bico de meio expediente ou de algumas horas por semana. Esse índice mostra que apenas 58,1% da mão de obra empregável do país está na ativa. E os outros 42%, estão fazendo o que?

Perto da minha casa, é comum, hoje, ver pessoas homens e mulheres de todo tipo, cor e credo pedindo ajuda com cartazes. Andando entre os carros quando o sinal fecha. Isso não existia. Em visita recente a Nova York, passei pela Tompkins Square, uma praça no lado leste da cidade. Deparei-me com uma fila que dava volta no quarteirão. “É a sopa”, me refrescou a memória uma amiga que morou naquele lugar durante anos. E o que mais chamou nossa atenção: não eram apenas drogados, bêbados, mendigos, como antigamente. Vi famílias inteiras, com carrinho de bebê, criança pequena pela mão, esperando a hora de receber a comida de graça.

E aí me volta a pergunta: até quando essa gente aguenta tudo calada? Ficou muito óbvio, na recente discussão do teto da dívida americana, que nem um partido nem outro tem compromisso com causa alguma. Roderick Harrison, economista e professor da Universidade Howard, aqui em Washington, me disse que está preocupado. Os próximos meses serão ainda mais difíceis, com mais demissões e consumidores assustados, sem dinheiro prá comprar.

Ele tentou responder a minha pergunta. Ou melhor, explicar o atual estado de coisas:

– Faz tempo que estamos caminhando para a ingovernabilidade…

Pior, diz ele, é a falta de organização da sociedade civil. Os partidos, afirmou, já não representam diferentes camadas da população. E a guinada para a direita é visível. Segundo o professor, somente o povo organizado, na rua, cobrando, vai empurrar o partido democrata, e o governo do presidente Barraca Obama, na direção de soluções para os problemas centrais dos país: desemprego e moradia.

Mas a sociedade parece anestesiada. Os únicos que ainda se mexem e vão prá rua são os seguidores do Tea Party, a ala mais radical e direitista do Partido Republicano. Cadê a raiva, a revolta, a indignação?
Por enquanto, vi isso vir à tona somente neste comentário do jornalista Keith Olbermann, que hoje trabalha na Current TV, do ex-vice-presidente Al Gore. Cáustico e sem meias palavras, ele diz o que eu imaginaria que muitos americanos poderiam estar gritando por aí, se soubessem gritar…

http://www.huffingtonpost.com/2011/08/02/olbermann-debt-ceiling-special-comment-protests-obama_n_915957.html
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16 agosto 2011

Transtorno Borderline em abordagem antroposófica : Ralf R. comenta o lançamento da sua tradução

Caros amigos, há poucas semanas a Editora Antroposófica lançou o livro Transtorno Borderline, em tradução do alemão que fiz em 2007, quando estava morando em Santos, a pedido do Instituto Rudolf Steiner de Curitiba. Faço alguns comentário abaixo, depois do anúncio da Editora.

Caso não visualize as imagens abaixo, acesse a versão online.
TRANSTORNO BORDERLINE
Dieter Beck / Henriette Dekkers / Ursula Langerhorst
Considerado uma enfermidade psíquica de nossa época, o chamado 'transtorno borderline' é apresentado aqui por Dieter Beck, Henriette Dekkers e Ursula Langerhorst segundo seus conhecimentos e suas experiências clínicas e terapêuticas no âmbito da Antroposofia. Numa sequência de três artigos com diferentes abordagens, porém numa sintonia conceitual e metodológica, os autores focalizam o tema segundo as características evolutivas da alma humana e seus distúrbios no processo de integração à realidade individual, ambiental e social.

por R$30,00
Livraria Virtual da Editora Antroposófica
Livros para o Autoconhecimento e a Ampliação Cultural

COMENTANDO: Quem me conhece há algum tempo sabe que mantenho com o pensamento de Rudolf Steiner ou derivado dele (= Antroposofia), a mesma relação de intercâmbio aberta que mantenho com, por exemplo, Freud e Marx e suas respectivas "escolas".

Tendo começado a estudar a Antroposofia há 33 anos, sou-lhe imensamente grato por uma série de perspectivas e de chaves de interpretação utilíssimas, que fazem grande diferença - mas ao mesmo tempo avalio que parte considerável de seu discurso e de suas práticas não se sustenta como pode parecer antes de uma análise profunda, e "torço" para que com o tempo essas partes sejam consideradas superadas pelo próprio movimento, em benefício da parte que se sustenta e pode dar contribuições tão preciosas ao equacionamento das grandes questões da humanidade.

Nos 3 estudos que constituem este livro, o pensamento psicológico antroposófico interage com a maior seriedade com conhecimentos psiquiátricos, psicológicos e psicanalíticos não-antroposóficos, e o resultado (mesmo que não se concorde com 100%) é luminoso e iluminador. Considero um privilégio ter tido a oportunidade de traduzi-los, pois o aprendizado foi imenso!

Inclusive só agora, com certa distância, vejo que talvez vindo dele o impulso mais decisivo para a minha monografia Aos que podem salvar o mundo: a Filosofia e Pedagogia do Convívio e seu apelo por uma nova consciência & arte dos pais.  Pois, entre tantos outros problemas individuais e sociais, também o transtorno borderline se mostra aqui como consequência de falhas no acolhimento da individualidade humana na primeira infância.

Em resumo: recomendo e muito! Longe de ser só para psicólogos e profissionais de saúde, um livro para qualquer um que se interesse pelo ser humano em profundidade.

Um grande abraço,
Ralf

08 agosto 2011

MANIFESTO DO PLURALISMO RADICAL (republicando como "Sementes para um tempo de Proto-Revolução Perplexa & Atônita - 01")

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Pluralismo Radical: a revolução da revolução
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Manifesto do Pluralismo Radical
Piratininga, 07 set.2008 • Ralf Rickli escreveu

Quem espera que união e entendimento mútuo tragam a felicidade ao mundo, esse pode

desesperar sentado.

Mas a felicidade está sim ao nosso alcance:
através do respeito - mútuo - incondicional
, independente de entendimento e de união.

Só a multiplicidade nos une, e é só por sermos todos diferentes que somos todos iguais.

As Ciências da Vida já nos mostraram que a principal condição para a saúde dos sistemas vivos é o convívio entre diferentes sem a eliminação de suas diferenças, e a Física vem mostrando que essa é a condição primeira para a própria existência:
monocultura é desastre ecológico, indiferenciação entre células é câncer, a supressão das diferenças entre partículas e forças levaria apenas à impotência do Nada.

Por que seria de outro modo justamente na humanidade, constituída pelos seres com maior potencial de inovação e diferenciação no universo conhecido?
As variações possíveis no jeito de ser boi são bem poucas. Ser humano é, justamente, ter o potencial de ser imprevisível no seu jeito-de-ser, esteja-se fazendo uso disso ou não.

Cada um poder pensar e fazer as coisas do seu jeito – se e quando quiser.
Cada um construir seu caminho decidindo individualmente cada passo que vai dar – inclusive quando escolhe dar o passo junto com outros e construir um caminho coletivo.

Coletividadesó um coletivo de indivíduos autônomos faz jus ao potencial do ser humano! Cultura homogênea é desastre em qualquer campo!
Biodiversidade - noodiversidade -  ideodiversidade - pluralidade irrestrita: eis a marca das situações biológicas, sociais, culturais e políticas saudáveis!

Só a multiplicidade nos une!
Só por sermos todos diferentes é que somos todos iguais!

Mas atenção: qualquer ser humano que se encontre, por forças humanas externas a si, impedido de escolher seu rumo e de dar seus passos no rumo que escolheu, encontra-se em estado de opressão.

Ter que ser de um jeito que não se é para conseguir respeito – isso é sofrer opressão.

Ser excluído a contragosto, seja lá do que for,
é estar sendo oprimido.

Ser incluído a contragosto, seja lá no que for,
também é estar sendo oprimido.

Ter que entregar a bolsa ou a vida a contragosto
é sofrer opressão.

Ter que entregar sua força de trabalho sob condições insatisfatórias para não entregar os seus à penúria
também é sofrer opressão.

Não poder decidir ou nem participar das decisões quanto à destinação dos valores que se criou com seu trabalho – isso é sofrer a mãe das opressões.
 

Oprimir é expropriar de outro ser humano sua própria condição de humano:
o poder de decidir por si. Oprimir é sempre tentativa de desumanizar. Fazer o outro de animal ou de coisa para poder atuar sobre ele com a superioridade de um deus – quando na verdade um e outro têm a mesma natureza: a natureza do escolhedor.

Por sua natureza, todo ser humano é capaz de escolher fazer qualquer coisa, inclusive oprimir - 

... mas acontece que o ato de oprimir deflagra inevitavelmente uma reação-em-cadeia de infelicidades em todas as direções – desgraças que assumem depressa mil faces tão diferentes que logo ninguém mais percebe de onde vêm.

Fora uma pequena parcela decorrente de causas puramente naturais ou acidentais, a infelicidade humana decorre toda de atos de opressão perpetrados por seres humanos, e portanto evitáveis já no nascedouro – pois seres humanos podem escolher não oprimir.

Que a capacidade de oprimir é parte da liberdade humana, isso não há como negar – mas só haverá chance de felicidade em nosso horizonte quando a humanidade decidir que respeitará todas as liberdades de todos os seus membros – exceto a liberdade de oprimir;

... quando a humanidade combinar que vale tudo, menos oprimir – em qualquer das formas já mencionadas ou em qualquer outra imaginável;

... combinar que nada pode ser imposto... a não ser isso mesmo: que não seja imposto nada além de que nada seja imposto.

Que não seja imposto nada por ninguém a ninguém
além de que não seja imposto nada
por ninguém a ninguém:

eis o anel virtuoso capaz de garantir a dignidade e a liberdade de todo ser humano (que são uma coisa só).

RespeitoRespeito de todos por todos.
O mais radical e absoluto respeito pela pluralidade e diversidade das vontades e jeitos-de-ser humanos: sem isso não há chance nenhuma de que a infelicidade humana diminua, ou de que a felicidade cresça. Outras condições também podem ajudar – mas a única sine qua non é esta.

Todas as leis e demais instituições da humanidade podem e devem ser repensadas a partir desse núcleo gerador único, e substituídas por leis e instituições derivadas dele. Todo o direito, toda a política, todas as relações humanas, quer dois a dois, quer bilhões a bilhões.

Essa é a mais completa e definitiva das revoluções possíveis para a humanidade – fato que depende tanto das nossas opiniões quanto o de 3x4 ser o mesmo que 4x3 - quer dizer: não se trata de ideologia, mas está implícito na própria lógica fundamental da existência.

Mas não precisamos temer nos sentirmos oprimidos por essa única imposição: sendo precisamente a supressão da opressão, representará o estado de maior liberdade possível à humanidade de modo duradouro: CONVÍVIO: o estado em que os diferentes vivem lado a lado e em paz sem jamais tentarem suprimir as diferenças um do outro.

Só a multiplicidade nos une,
e só por sermos todos diferentes é que somos todos iguais.

Revolução da idéia de Revolução até o seu limite,
caminho mais curto para a maior felicidade possível para todos – eis o PLURALISMO RADICAL. É só pegar e usar.

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