Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

26 julho 2010

O inacreditável vazamento de VERDADE na Folha de hoje

 
O Brasil-em-campanha parece ter amanhecido sob o impacto de a Folha de S.Paulo ter-se permitido publicar em sua página 3 (um dos espaços de maior destaque automático em qualquer jornal impresso) um inacreditável pacote de descrições-de-fatos verdadeiras com efeito de avaliações positivas sobre o governo Lula.
 
É preciso admitir que não é a primeira vez que um texto de Fernando Barros e Silva brilha como exceção honrosa num jornal em que a manipulação desonrosa se tornou a regra - e a bem da verdade mesmo, há hoje mais dois textos excelentes quase na seqüência, os quais também quero comentar aqui em outro momento.
 
Mas ainda antes de passarmos ao texto de Barros e Silva, observo que andava pensando há uns dias que ultimamente tem se usado pouco a palavra “centro” no debate político. Pois é justamente nela que o artigo em questão vai terminar - e como de costume é com certa ironia que a palavra é usada. Isso me provoca a escrever em breve sobre os diferentes sentidos usuais e/ou possíveis de “centro” em política, entre eles “Centro como pseudônimo de certa Direita”, “centro estático” e “centro dinâmico”. Só espero encontrar tempo, pois já nem sei o que faço com tamanha lista de artigos semi-escritos na cabeça!


Fernando Barros e Silva
DIREITA, ESQUERDA, CENTRO

Folha de S.Paulo, 26.07.2010
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2607201003.htm
 
Há no Brasil uma direita escandalosa e disposta a se escandalizar com tudo. Sua representação é mais midiática do que propriamente política. E o lulismo tem a ver com uma coisa e outra.
 
Ao mesmo tempo em que o êxito do governo (e, em particular, de Lula) inibiu a emergência de uma opção de direita puro-sangue à sua sucessão, também desinibiu, pela mesma razão, o ressentimento ou às vezes o ódio de setores que se julgam ameaçados pela nova ordem.
 
A base social dessa direita, para quem o mundo virou de ponta-cabeça, não são exatamente os detentores da riqueza extrema, que vão muito bem e talvez daqui a pouco tenham saudade. Nem, é claro, a massa pobre, que já esteve em situação pior e sentirá a falta de Lula.
 
A direita estridente, cínica ou raivosa, fala a (e por) setores de uma certa alta classe média, que teve seus sonhos ou pretensões de exclusivismo azedados pela emergência da "nova classe média".
 
Em termos políticos, a figura um tanto folclórica de Indio da Costa é um sintoma do que restou à direita, imobilizada diante de um presidente que parece ter apresentado o país a si mesmo. Lula, afinal, faz um governo de comunhão nacional.
 
Se a direita grita sua impotência, a esquerda nunca pareceu tão satisfeita. O lulismo anestesiou a intelligentsia, cooptando boa parte dela. Inverteram-se os papéis clássicos: temos hoje uma direita apocalíptica e uma esquerda integrada.
 
Nesse ambiente, o campo de discussão crítica ficou estreito e está contaminado pelo sectarismo de uma polarização algo artificial.
 
Direita e esquerda ganham lastro na vida real quando vêm acompanhadas do prefixo "centro". Centro-direita, centro-esquerda -é por aí, distante das extremidades, que a política entre nós caminha (ou patina). Discute-se a "ampliação" do Bolsa Família, a "revisão" da política cambial etc. As brigas intelectuais, por isso, podem soar ridículas. Como se, sem perceber, todos ali fossem só "radicais de centro".
 

17 julho 2010

Os anos-sem-lembrança da infância como porta invisível do Outro Mundo Possível

 
Os sete pontos a seguir, desdobrados em 31 sub-pontos, delineiam o que pode ser chamado a tese principal da nossa monografia Aos que podem salvar o mundo.
 
Sua leitura não chega a ser extremamente difícil, mas também não se pode dizer que seja fácil. Ainda assim, convido todos os meus amigos a conhecerem, pois se houver algo de importante no que eu produzi até hoje, este texto e a Minuta para um Estatuto Fundamental da Humanidade são sem dúvida o mais importante de tudo.
  
Para facilitar o contato inicial, apresento-o aqui sem notas de rodapé nem referências bibliográficas. Para quem quiser conhecer este texto no contexto da monografia original (onde ele é a seção 0.3), ela está disponível na íntegra em www.tropis.org/biblioteca (onde se encontra também o Estatuto Fundamental da Humanidade). 
 
Aviso, porém, que considero toda essa monografia ainda um mero tatear na direção indicada por estes pontos: a superação do que alguns autores já chamaram de o batismo do mal (explicado sobretudo no ponto 5 e seus sub-pontos), sem a qual o ser humano continuará não implementando as soluções possíveis para os seus problemas maiores, muitas das quais já encontradas, simplesmente porque tal "batismo" o torna psicologicamente incapaz de ser solidário na medida necessária.



*   *   *

1. Na formação do ser humano a experiência se torna estrutura: aquilo pelo que eu passo, isso passa a me constituir.
 

1.1 Tanto efeitos diretos da experiência podem se fixar em nós, e usualmente se fixam, quanto reações do nosso organismo físico e/ou psíquico a esses efeitos.
 

1.1.1 Na linguagem da ciência atual, tudo isso pode ser expresso em termos de informação: “informar”, “entrada de informação”, “registro da informação”, “conteúdo informacional armazenado” etc.
 

1.2 Embora essas duas dimensões estejam tão intimamente relacionadas que dificilmente se pode falar de uma sem encontrar implicações na outra, ainda assim se pode falar de informações cujo efeito é primordialmente físico, e de outras cujo conteúdo mais relevante é de natureza psíquica. As duas são significativas para a vida psíquica (p.ex., o efeito físico de substâncias tóxicas recebidas durante a gestação pode ter efeitos limitantes na vida psíquica futura), mas as presentes considerações serão centradas no que causa impressões sobre a vida psíquica (sendo portanto capaz de provocar respostas como, por exemplo, medo, confiança, alegria, tristeza etc).
 

1.2.1 Ainda assim, será conveniente recordar sempre que a dimensão física não está excluída destas considerações; apenas não é por ela que segue o seu fio condutor.
 

1.3 Quanto a sua origem, as informações recebidas podem serem tanto casuais quanto sistemáticas, caso em que podem proceder de fonte ambiental, de fonte humana individual (p.ex. a mãe), da dimensão micro-cultural (os procedimentos usuais de um grupo, p.ex. a família), da macro-cultural (os costumes de todo um país) etc.
 

2. Os efeitos estruturantes da experiência são máximos justamente no período da amnésia infantil (os anos iniciais de que temos pouquíssima ou nenhuma lembrança).
 

2.1 Há diversas hipóteses e provavelmente diversas causas simultâneas para a amnésia infantil: nosso interesse aqui é por uma delas em especial, cuja realidade parece mais que suficientemente atestada (sem que isso diga nada em contra nem em favor de outras possíveis causas): a experiência dos anos iniciais é inteiramente “devorada” pela constituição de estrutura. Usando como analogia a linguagem dos computadores, seu conjunto de dados passa a atuar como um programa, e deixa de ser acessível como documento.
 

2.1.1 As experiências provavelmente só passam a ser disponíveis como lembranças na medida em que sejam redundantes; isto é: que a estrutura que iriam constituir já estiver formada.
 

2.1.2 Mesmo nesse caso, as experiências provavelmente não deixam de interagir com as estruturas com que têm afinidade, quer reforçando-as, quer de algum outro modo.
 

2.2 Embora haja diferenças, também são de grande importância – e igualmente não recordadas – as experiências do ser humano em gestação, razão pela qual, salvo indicação explícita em contrário, neste trabalho considera-se o período de gestação sempre incluído nas referências ao período da amnésia infantil.
 

3. O ser humano adulto deve enorme parte de seu modo usual de ser e agir à forma como foi estruturado pelas experiências vivenciadas na época da amnésia infantil.
 

3.1 De todos os aspectos do ser humano, estes são evidentemente os mais difíceis de modificar, assim como seria extremamente difícil intervir nas fundações enterradas de um edifício.
 

4. O próprio fato de não ter lembranças da fase da amnésia infantil faz com que a maior parte dos adultos mostre escassa ou nenhuma compreensão frente aos sentimentos e outras vivências das crianças que estão atravessando essa fase.
 

4.1 Essa usual incompreensão dos adultos pelo que as crianças sentem inclui a incompreensão dos efeitos que seus atos têm ou podem ter nessas crianças.
 

4.1.1 Na verdade a incompreensão parece ser especialmente forte diante disso, sugerindo que haja outros componentes envolvidos além da incapacidade biológica de lembrar – mas não é preciso deter-se nisso para os presentes fins.
 

4.2 Como visto nos pontos 1 e 2, as crianças em questão serão inevitavelmente marcadas por esses atos realizados sem compreensão pelos adultos, e marcadas em suas estruturas psíquicas mais profundas e perenes; e como visto no ponto 3, essas marcas se expressarão no modo predominante de ser e agir dos novos adultos que essas crianças se tornarão.
 

5 À parte outras marcas possíveis, o que uma criança nessa fase vê fazerem diante dela, ouve fazerem perto dela e, sobretudo, sente fazerem a ela, tudo isso permanece inscrito em sua estrutura não como uma informação qualquer, e sim como modelo ou receita de como se deve agir em situações semelhantes. Esse modelo não atua apenas como uma aparência exterior vaga, mas é incorporado como um conjunto de instruções de procedimento detalhadas.
 

5.1 É evidente, portanto, que os atos nocivos cometidos por um pai ou mãe no trato com seus filhos, sobretudo os de até cerca de três anos de idade, têm alta probabilidade de serem repetidos por esses filhos quando adultos, no trato com seus próprios filhos – e igualmente evidente que isso tende a se repetir em não só uma nova geração, e sim ao longo de muitas gerações, tornando-se forma-padrão de agir de vastas redes familiares, quiçá de todo um povo.
 

5.2 É compreensível, portanto, que grande parte das formas de agir humanas tenha caráter nocivo mas resista às tentativas de modificá-la a partir da análise racional – até mesmo das tentativas empreendidas voluntariamente pelo próprio indivíduo – pois é expressão de erros cometidos em tempos imemoriais que vêm se reproduzindo como que automaticamente de geração em geração.
 

6 Apesar disso, é possível modificar o próprio modo de ser e agir mediante um empenho intensivo e continuado da consciência.
 

6.1 Por outro lado, não é possível a alguém modificar o comportamento de outros indivíduos já constituídos como sujeitos sem que isso constitua um ato de violência. O que é possível é sugerir ao outro que modifique seu comportamento, sugestão essa que ele tem o direito de aceitar e implementar, ou de rejeitar.
 

6.1.1 Isso significa que, haja ou não outros fatores em questão, no mínimo devido à resistência das configurações estruturais de cada indivíduo as coletividades humanas só podem apresentar enorme resistência à mudança dos comportamentos que predominam nelas – pois a mudança num sentido consciente depende de: (a) a opção inicial de cada indivíduo entre querer ou não querer conscientizar-se de que seria interessante mudar; (b) sua disposição de, em conseqüência da primeira opção, ingressar em um período de aprendizado sobre a mudança desejável; (c) uma vez relativamente avançado nesse aprendizado, enfrentar processos muitas vezes difíceis e dolorosos de enfrentamento dos traços nocivos preservados na sua configuração estrutural; (d) a vitória nesse enfrentamento não é garantida.
 

6.1.2 É possível induzir pessoas e grupos a mudanças de comportamento sem esse processo de conscientização e enfrentamento estrutural individual, porém isso significa manipulação, e tanto é moralmente indefensável quanto termina sendo inefetivo no médio e longo prazos, pois a regência das estruturas profundas tende a retornar. Baste como exemplo (ainda que se encontrem dezenas de outros) a intensidade com que a xenofobia e outros comportamentos anti-sociais têm emergido nos lugares que haviam antes sido tornados “justos e fraternos por decreto” pelos regimes ditos comunistas.
 


6.2 Em conseqüência de tudo o que foi visto, revela-se a lei de que mudanças de comportamento conquistadas por um indivíduo permanecem lábeis se não forem transmitidas para a geração seguinte. Em outras palavras, não se generalizam como conquista grupal pelo menos relativamente estável na mesma geração do indivíduo, mas somente se chegarem a ser transmitidas para pelo menos mais uma geração.
 

6.2.1 Naturalmente, esse efeito se dá com a máxima intensidade se a mudança conquistada pelo indivíduo envolve o trato desse indivíduo com seus filhos na primeira infância, influindo assim na configuração estrutural profunda do psiquismo desses filhos.
 

6.2.2 Isso não significa que na geração seguinte a mudança se expresse necessariamente em forma idêntica à conquistada pelo pai: se o trato com os filhos se aproximou do adequado, esses deixarão de ser vítimas de estruturas aprisionantes ou paralisadoras, e terão reconquistado a mutabilidade, flexibilidade e disponibilidade para a evolução que temos razões de considerar próprias do ser humano saudável.
 

6.2.3 Esse ato significa, portanto, abrir mão da prepotência doentia que é considerar a si mesmo um modelo suficientemente acabado para que seja desejável tê-lo reproduzido geração após geração.
 

6.3 Por meras razões matemáticas, mudanças de comportamento conscientes só podem chegar a ser significativas na escala coletiva (ou dimensão social) se chegar a haver uma certa massa crítica de pais e mães dispostos a reconfigurar seu modo de agir com os filhos.
 

6.3.1 Atualmente é corriqueiro o discurso sobre massa crítica na mudança de comportamento coletiva, mas essa perspectiva será sempre ilusória caso não envolva a atuação sobre o ponto nodal de maior alcance que há na humanidade, que é a constituição do sujeito entre a concepção e aproximadamente os três anos de idade.
 

7. Esta tese é ao mesmo tempo justificativa de um programa de Educação para a Paternidade e o conteúdo central, organizador dos demais, a ser ensinado num tal programa.

*   *   *

[Tendo sido elimindadas as referências bibliográficas, não quero deixar  de mencionar que esta 'tese' deve bastante aos psicanalistas Ferenczi e Winnicott, a alguns psicólogos que trabalham a partir de idéias de Rudolf Steiner (como Henriette Dekkers) e à recente descoberta dos neurônios-espelho por Giacomo Rizzolatti. Além disso, mesmo sem ter partido dessa escola, apresenta alguma afinidade com idéias da Gestalt. Não deve passar despecebido, ainda, que a expressão "Outro Mundo Possível" deriva do lema do Fórum Social Mundial.]

01 julho 2010

'A mão que afaga...' ou: típico de ratos abandonando navio

 
Chamada no UOL e título no blog Josias de Souza: 'Não tenho a menor ideia de nada', afima vice Índio.
 
Ao checar o contexto, não deu pra não fazer o seguinte comentário - que duvido muito que seja liberado por lá:

Pessoalmente sou totalmente anti-Serra e anti-DEM, mas tenho que reconhecer: a frase é parte da resposta a uma pergunta sobre o que deveria mudar na campanha do Serra [resposta que se conclui assim]: "O que vou fazer é entender quais são os problemas e de que maneira eu posso contribuir. Mas é muito cedo para tudo, faz três horas que eu fui indicado, não tenho a menor ideia de nada."

Extrair essa frase do seu contexto é jogo baixo. Os anti-Serra e anti-DEM de qualidade não precisam desse tipo de jogo - que, sinceramente, parece típico de rato abandonando navio que afunda e em campanha para ser aceito em outro.

Sei que é provável que este comentário não passe pela sua 'moderação', por isso já está também no meu próprio blog. Com um poético título extraído de Augusto dos Anjos: 'A mão que afaga é a mesma que apedreja'...