Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

24 outubro 2009

novidades sérias sobre civilizações perdidas da Amazônia + reflexões sobre a dimensão ideológica

Atenção, tropeiros & dondemirantes & demais amigos que se levam a sério como buscadores de "caminhos tropicais de conhecimento e prática":
 
A matéria de que reproduzo trechos abaixo é muito mais que curiosidade. Ajuda a sintonizar o verdadeiro espírito que inspirou o impulso Trópis desde antes de vocês aparecerem - e se eu capto corretamente o espírito do Binho, também tem profundamente a ver com o impulso que o move no Dondemiras.
 
Depois da transcrição dos fragmentos comento um pouco mais sobre o sentido que vejo em ir atrás deste tipo de conhecimento!  Abraços .................... Ralf
 

 
Cidades perdidas da Amazônia
A floresta tropical amazônica não é tão selvagem quanto parece
 
[trechos selecionados por Ralf para os amigos]
 
Michael J. Heckenberger vem fazendo pesquisas arqueológicas na região do Xingu e em outras partes da Amazônia brasileira desde 1992, mais recentemente como professor da University of Florida
 
http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/img/xingu.jpg

Kuhikugu, conhecida pelos arqueólogos como sítio X11, é a maior
cidade pré-colombiana já descoberta na região do Xingu. Abrigava
mil pessoas ou mais e servia como o eixo central de uma rede de aldeias menores.
 
(...) Frequentemente os antropólogos viram o ambiente florestal, em geral, como não propício à agricultura; a pouca fertilidade do solo parecia excluir os grandes assentamentos ou as densas populações regionais.Por esse motivo, a Amazônia do passado parece [= parecia] ter sido muito semelhante à Amazônia dos tempos atuais.

Porém, essa visão começou a cair por terra na década de 70, conforme os acadêmicos revisaram os relatos dos primeiros europeus sobre a região, que falavam não de tribos pequenas, mas de densas populações. Conforme o best seller de Charles Mann "1491" descreve com eloquência, as Américas eram densamente habitadas na véspera do desembarque dos europeus, e a Amazônia não era exceção. Gaspar de Carvajal, o missionário que escreveu as crônicas da primeira expedição espanhola rio abaixo, observou cidades fortificadas, estradas largas com boa manutenção e muitas pessoas. Carvajal escreveu em seu relato de 25 de junho de 1542:

"Passamos entre algumas ilhas que pensávamos ser desabitadas, porém ao chegarmos por lá, tão numerosos eram os povoados que vieram à nossa vista... que nos afligiu... e, quando nos viram, saíram para nos encontrar no rio em mais de duas centenas de pirogas (canoas), carregando 20 a 30 índios em cada uma, e algumas até com 40... estavam enfeitados com cores e vários emblemas, e portavam várias cornetas e tambores... e em terra, uma coisa maravilhosa de ver foram as formações de grupos que ficavam nas aldeias, todos tocando instrumentos e dançando em toda parte, manifestando grande alegria ao nos ver passando pelas suas aldeias. "
 
A pesquisa arqueológica em várias áreas ao longo do rio Amazonas, como a ilha do Marajó na foz do rio e sítios próximos às modernas cidades de Santarém e Manaus, confirma esses relatos. Essas tribos interagiam em sistemas de comércio que se espalhavam até localidades remotas. Sabe se menos das localidades mais próximas dos limites ao sul da Amazônia, mas um trabalho recente em Llanos de Mojos nas várzeas da Bolívia e no estado do Acre sugere que eles também apresentaram sociedades complexas. Em 1720, o guarda de fronteira Antonio Pires de Campos descreveu uma paisagem densamente habitada na cabeceira do rio Tapajós, pouco a oeste de Xingu:

"Esses povos existem em um número tão enorme que não é possível contar seus povoados ou aldeias, [e] muitas vezes em um dia de marcha passa-se por 10 a 12 aldeias, e em cada uma há de 10 a 30 habitações, e dentre essas casas há algumas que medem 30 ou 40 passos de largura... até mesmo suas ruas, que eles fazem bem retas e largas são mantidas tão limpas que não se encontra nenhuma folha caída..."
Uma Antiga Cidade Murada
Robert Carneiro, do American Museum of Natural History, de Nova York, que morou com os cuicuro na década de 50, sugeriu que o estilo de vida organizado e a economia produtiva agrícola e pesqueira poderiam suprir comunidades muito mais substanciais, mil a 2 mil vezes maiores – várias vezes a população contemporânea de algumas centenas. Ele também registrou evidências de que, na realidade, a área já teve um sítio pré-histórico (designado X11 em nossa pesquisa arqueológica) cercado de imensos fossos. Os irmãos Villas Boas – indianistas brasileiros indicados para o Prêmio Nobel da Paz pela sua participação na criação do Parque do Xingu – já tinham relatado esses trabalhos [= esse tipo de obra] no solo perto de muitas aldeias.
 
(...)
 
Em janeiro de 1993, logo após eu ter chegado à aldeia dos cuicuro, o principal chefe hereditário, Afukaka, me levou a uma das valas no sítio (X6) por eles denominada Nokugu, que recebeu o nome do espírito de onça que se pensa lá habitar. Passamos por moradores locais que construíam um enorme açude de peixes ao longo do rio Angahuku, já cheio devido às chuvas sazonais. O fosso, que corre por mais de 2 km, tinha 2 a 3 metros de profundidade e mais de 10 metros de largura. Embora eu tivesse a expectativa de encontrar uma paisagem arqueológica diferente da atual, a escala dessas comunidades antigas e de suas construções me surpreendeu. Os assistentes de pesquisa cuicuro e eu passamos os meses seguintes mapeando esse e outros trabalhos no solo no sítio de 45 hectares.

Desde essa época, nossa equipe estudou vários outros sítios na área, analisando mais de 30 km em linha reta em transectos através da floresta, mapeando, examinando e escavando os sítios. No final de 1993, Afukaka e eu voltamos para Nokugu, para que eu relatasse o que aprendi. Seguimos os contornos do fosso externo do sítio e paramos ao lado de uma ponte de terra, por onde costumava passar uma estrada enorme que tínhamos desenterrado. Apontei para uma antiga estrada de terra, totalmente reta, com largura de 10 a 20 metros, que levava para outro sítio antigo, Heulugihïtï (X13), a cerca de 5 km de distância. Atravessamos a ponte e entramos em Nokugu.

A estrada, margeada por meios-fios baixos de terra, abriu-se até 40 metros – largura das autoestradas modernas de quatro pistas. Percorridas algumas centenas de metros, passamos por cima do fosso interno e paramos para observar o interior da trincheira escavada recentemente, onde tínhamos encontrado uma base em forma de funil, para uma paliçada de tronco de árvore. Afukaka contou-me uma história a respeito de aldeias construídas sobre paliçadas e ataques-surpresa em um passado remoto.

Caminhamos por trechos de floresta, arbustos e áreas desmatadas que agora cobrem o sítio, marcas de atividades variadas no passado. Saímos em meio a uma clareira gramada cercada de enormes palmeiras que marcavam uma antiga praça. Girei devagar e apontei a borda perfeitamente circular da praça, marcada por uma elevação de um metro de altura. Expliquei a Afukaka que as altas palmeiras lá se instalaram séculos atrás, a partir de jardins de compostagem em áreas domésticas.
 
Deixando a praça para explorar as redondezas, nos deparamos com altos sambaquis, depósitos de restos, que muito se assemelhavam aos de trás da casa do próprio Afukaka. Estavam repletos de recipientes quebrados, exatamente iguais, nos mínimos detalhes, aos utilizados pelas esposas da tribo para processar e cozinhar a mandioca. Em uma visita posterior, quando escavávamos uma casa pré-colombiana, o chefe curvou-se dentro da área central da cozinha e retirou um enorme fragmento de cerâmica. Disse que concordava com minha impressão de que o cotidiano da sociedade antiga era muito semelhante ao atual. "Você está certo!", Afukaka exclamou. "Veja, um apoio de panela" – um undagi, como os cuicuro o chamam, usado para o cozimento da mandioca.

Essas ligações fazem dos sítios dos xinguanos locais muito fascinantes, que se encontram entre os poucos assentamentos pré-colombianos na Amazônia onde a evidência arqueológica pode ser conectada diretamente com os costumes atuais. Em outros locais, a cultura indígena foi totalmente dizimada ou o registro arqueológico está disperso. A antiga cidade murada que mostrei a Afukaka era muito parecida com a aldeia atual, com sua praça central e estradas radiais, apenas eram dez vezes maiores.
 
Da Oca à Organização Política
"Suntuosa" não é uma palavra que, em geral, venha à mente para descrever uma casa com um tronco central e sapé. Ocidentais pensam em uma "cabana". Mas a casa que os cuicuro erguiam para o chefe em 1993 era enorme: bem mais de 1 mil m2. É difícil imaginar que uma casa construída como um cesto gigante virado para baixo, sem uso de pedras, cimento ou pregos pudesse ficar tão grande. Mesmo a casa comum de um xinguano com 250 m2 é tão grande quanto uma casa média americana.

O que faz a casa do chefe sobressair não é apenas o tamanho, mas também a sua posição, localizada no ponto mais ao sul da praça central circular. Quando se entra na aldeia pela estrada de acesso formal, as famílias de boa posição moram à direita (sul) e à esquerda (norte). O arranjo reproduz, em escala maior, a planta de uma casa individual, cujo ocupante de posição destacada pendura a sua rede à direita, ao longo do comprido eixo da casa. A estrada de acesso corre aproximadamente de este a oeste; na casa do chefe, sua rede fica posicionada na mesma direção. Quando um chefe morre, ele também é deixado em uma rede com a cabeça voltada para o oeste.
 
Este cálculo corpóreo básico é aplicado em todas as escalas, de ocas a toda a bacia do Alto Xingu. As aldeias antigas são distribuídas pela região e interconectadas por uma rede de estradas alinhadas com precisão. Quando cheguei pela primeira vez à área, levei semanas para mapear valas, praças e estradas usando as técnicas padrões de arqueologia. No início de 2002, começamos a usar o GPS, que nos permitiu mapear a maior parte dos trabalhos no solo em questão de dias. Descobrimos um grau impressionante de integração regional. O planejamento parece quase determinado, com um lugar específi co para tudo. No entanto, fundamentava-se nos mesmos princípios básicos das aldeias atuais. As estradas principais correm do leste para o oeste, as secundárias se irradiam para fora do norte e do sul e as menores proliferam em outras direções.
 
Mapeamos dois agrupamentos hierárquicos de povoados e aldeias em nossa área de estudo. Cada um consistia em um centro principal cerimonial e várias aldeias satélites grandes em posições precisas em relação ao centro. Essas cidades provavelmente tinham mil ou mais habitantes. As aldeias menores estavam localizadas mais longe do centro. O agrupamento do norte está centrado no X13, que não é uma cidade, e sim um centro de rituais, semelhante a um terreno para festividades.
 
(...)
 
A identificação de grandes núcleos populacionais murados, espalhados numa área comparável à de Sergipe, sugere que havia, no mínimo, 15 agrupamentos espalhados pelo Alto Xingu. Entretanto, como a maior parte da região não foi estudada, a quantidade correta pode ter sido muito superior. A datação por radio-carbono dos sítios já escavados sugere que os ancestrais dos xinguanos chegaram à região, vindos do oeste, e começaram a modificar as florestas e a zona úmida a seu critério cerca de 1.500 anos atrás ou até antes disso. Nos séculos que antecederam a descoberta da América pelos europeus, os sítios foram reformados, passando a compor uma estrutura hierárquica.
 
Cidades-Jardins da Amazônia
Há um século, o livro Garden cities of tomorrow (Cidades-jardins do futuro), de Ebenezer Howard, propôs um modelo para um crescimento urbano sustentável de baixa densidade populacional. Um precursor do movimento ecológico atual, Howard idealizou cidades interligadas como uma alternativa para um mundo industrial, repleto de cidades com arranha-céus. Sugeria dez cidades com dezenas de milhares de habitantes, que teriam a mesma capacidade funcional e administrativa que uma só megacidade.

Os antigos xinguanos parecem ter construído esse sistema, um tipo de urbanismo de estilo verde ou protourbanismo – uma incipiente cidade-jardim.
 
[Interpolado de um trecho anterior do artigo:]  A pessoa mais famosa a buscar civilizações perdidas no sul da Amazônia foi Percy Harrison Fawcett. O aventureiro britânico esquadrinhou o que denominou "selvas não mapeadas", buscando uma cidade antiga na Amazônia – a Atlântida – , repleta de pirâmides de pedra, ruas de seixos e escrita alfabética. Suas narrativas inspiraram Conan Doyle em O mundo perdido e talvez os filmes de Indiana Jones. O recente e empolgante livro de David Grann, The lost city of Z (Z, a cidade perdida), refez o trajeto de Fawcett antes de seu desaparecimento no Xingu, em 1925.
 
[Continuação do texto antes da interpolação:] Talvez Percy Fawcett estivesse no lugar certo, mas com o foco equivocado: cidades de pedra. O que faltava aos centros em termos de pequena escala e elaboração estrutural, os xinguanos conseguiam alcançar pela quantidade de cidades e por sua integração. Se Howard tivesse conhecimento de sua existência, poderia ter-lhes devotado um trecho no Garden cities of yesterday (Cidades-jardins do passado). O conceito comum de cidade como uma densa rede de prédios de alvenaria remonta à época das antigas civilizações dos oásis nos desertos, como na Mesopotâmia, mas que não possuíam as mesmas características ambientais. Não só as florestas tropicais amazônicas, como também as paisagens das florestas temperadas da maior parte da Europa medieval, eram pontilhadas por cidades e vilarejos de tamanhos similares a essas no Xingu.
 
http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/img/grafico_amazonia2.jpg 
 
http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/img/grafico_amazonia1.jpg
 

CONTINUAÇÃO e CONCLUSÃO das palavras de introdução da mensagem (Ralf)
 
Creio que para nós brasileiros descendentes apenas parcialmente de ameríndios e com quase-nada de de cultura ameríndia preservada, o foco central do interesse nas questões indígenas não pode ser a defesa da continuidade da cultura e organização dos grupos indígenas atuais.
 
Reparem que eu disse central. Claro que podemos nos dispor a colaborar com eles nisso, mas antes de mais nada se eles quiserem, e sob a liderança deles - ou então estaremos repetindo mais uma vez o discurso de que eles não são capazes de escolher seus caminhos por si, e dependem da nossa tutoria ou orientação... Bobagem imensa, pois todos os seus principais atos de resistência e sobretudo a atual renascença indígena aconteceram "pelas nossas costas".
 
Já quando tentamos sintonizar o espírito do ser-índio (leia-se "ser" como verbo), isso ajuda a nos transformarmos. E, com isso, nos tornarmos agentes de (1) tentativas de modificação dos cursos da civilização ocidental em que estamos inseridos OU de (2) geração de sementes, esporos, mudas, brotos de contraculturas (sub-culturas que evoluem em direção diferente da cultura principal).
 
Se fizermos isso, também estaremos colaborando com as lutas dos índios, mas de um modo não-invasivo. Pois afinal, para o bem deles, quem tem que se modificar é a civilização ocidental, não eles.
 
Estudarmos a natureza da civilização branda e difusa que os ancestrais deles (e parcialmente nossos) haviam construído nas Américas é um primeiro para a nossa reeducação necessária antes de sermos dignos de dialogar/colaborar com eles, quer diretamente, quer construindo nossos próprios rumos de um modo menos burro.
 
Um último detalhe: é um engano patético pensar que o estudo de concepções-de-mundo desenvolvidas na Europa seja suficiente para nos orientar diante do desafio de encontrar os modos de vida adequados nas Américas e nos trópicos em geral. Seja marxismo, liberalismo burguês, cristianismo histórico ou esotérico - qualquer outra coisa que tenha sido pensada sob aquelas condições, e não diretamente nestas.
 
Também a idéia de adaptar alguma coisa que tenha sido pensada em outras condições dá sempre em desastre.
 
O que temos que fazer é levarmos em conta todos esses pensamentos em conta ao repensarmos as questões a partir da nossa posição. Mas primeiro temos que limpar nossa cabeça da progamação predominantemente européia que ela recebeu - e um dos melhores caminhos para isso é a tentativa de nos sintonizarmos com o espírito antigo das Américas.
 
E a aproximação antropológica a isso pode ser um caminho relativamente mais neutro em termos de ideologia, sobretudo quando juntamos uma pluralidade de visões antropológicas não harmônicas entre si (sendo "ideologia", antes de mais nada, a universalização artificial de um particular, a ênfase na diversidade é o agente de desideologização por excelência).
 
No penúltimo trecho que destaquei em roxo no texto, temos o antropólogo de formação ocidental e o índio descobrindo o passado juntos, cada um contribuindo com os elementos, conhecimentos e técnicas de que dispõe. Dá para imaginar a emoção do índio ao descobrir naquele momento a confirmação de que os autores daquela civilização perdida eram os seus póprios ancestrais - e a emoção do antropólogo ao participar disso. Nesse momento vive um sentimento de humanidade una, por trás de toda a diversidade. Nesse momento esquece-se inclusive a divisão entre oprimidos e opressores, e reluz a percepção do humano-em-comum por baixo desses papéis.
 
Eu aposto todas as minhas fichas, aposto a minha vida, em que é só o fortalecimento cada vez maior dessa percepção do humano-em-comum que pode nos salvar.
 
É a partir dessa percepção que teremos o poder para destruir, aniquilar os papéis de oprimido e opressor (o que não é o mesmo que aniquilar as pessoas que os ocupam... a não ser que elas se agarrem aos papéis e por isso sejam aniquiladas junto com ele - em última análise por escolha sua, não por nossa intenção). Nenhum exacerbamento desse antagonismo de papéis jamais terá o poder de destruí-lo e de libertar a humanidade de sua maldição - libertação essa pela qual não aspiro em abstrato (= idealismo como força de opressão, que Marx denunciou sem porém conseguir deixar de incorrer nele) e sim por cada uma das crianças concretas que se encontram no planeta neste momento, e por todas aquelas que hão de vir.
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23 outubro 2009

poeminha-trocadilho cruel

EX-BAMBA
 
cadê cadência ?

de como Teoria Política virou Teologia - ou: o novo FEBEAPÁ e o Judas que o pariu

De repente o país inteiro está discutindo as relações entre Jesus e Judas, como se isso tivesse alguma relevância para o que o Lula quis dizer na entrevista reproduzida no post anterior. Isso é pura reedição do FEBEAPÁ ("Festival de Besteira que Assola o País", segundo o humorista Stanislau Ponte Preta, nos anos 60).
 
O ÚNICO aspecto relevante da menção de Lula a Jesus e Judas não vem sendo nem mencionado: ele disse "Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão."
 
Isso é uma aula sobre a natureza da democracia representativa, senhores - sobre uma coisa que só será superada um dia com alguma forma de democracia (mais) direta: o que ele quis dizer é "não importa se pessoalmente o cara é o teu maior inimigo, se foi votado ele representa algum setor da sociedade, e você não tem o direito de ignorar O SETOR DA SOCIEDADE que o elegeu".
 
Aula de teoria política, ponto. Mas quando o dedo aponta uma estrela, as pessoas ficam dizendo "oh" para o dedo! É ou não é FEBEAPÁ?

22 outubro 2009

pelo sim ou pelo não, uma EXCEPCIONAL aula de (ou sobre) Economia e Política

Por ser um assunto muitas vezes incômodo tanto à direita quanto em boa parte da esquerda, tenho evitado postar matérias sobre o Lula nas listas de que faço parte e/ou no meu blog. Ainda pretendo criar um "cacho de blogs" específicos (educação, política, cultura, sexualidade etc.), e aí esse tipo de matéria iria para um deles.
 
Mas hoje sinto que devo abrir uma exceção. Acredito que, pela sua extensão e abrangência, a longa entrevista de Lula a Kennedy Alencar publicada hoje pela Folha é um documento de primeira importância tanto na história do Brasil quanto na história das tentativas de realização de democracia no mundo. (Sou grato, a propósito, à notável professora de Sociologia que tive em 1998, Sylvia Gemignani Garcia, pois sem ela eu não teria sabido reconhecê-lo!)
 
Digo no título "pelo sim ou pelo não", pois você pode perfeitamente discordar das posições aí expostas e defendidas - mas ainda assim lhe será um documento importante, se é que você pretende fazer política a sério e não blefando: mesmo se for pra contestar, de nenhum outro lugar eu vi emergir com tanta clareza os contornos e o "sabor geral" do que vem sendo chamado "doutrina Lula" - que eu por diversas razões preferiria chamar "estilo" que "doutrina".
 
Concorde-se ou não com ele, com honestidade não é possível negar que esse estilo seja uma das poucas realidades nítidas, com coerência interna, na política mundial de hoje - não na minha anônima opinião mas na da imprensa internacional dos mais variados espectros ideológicos. (Atenção: não estou falando de coerência com discursos anteriores, programas de partido ou coisas do tipo, mas apenas das partes de um mesmo discurso entre si e com seu todo, num dado momento. Espero merecer o favor de só ser contestado por quem tiver entendido de fato o que eu disse...)
 
Não farei mais comentários (com uma única exceção, interpolada no texto com destaque): deixo que você mesmo se entenda (ou não) com o texto. Destaquei em roxo quatro passagens não para dizer "vejam quanta verdade" ou algo assim, mas porque me pareceram dignas de de não "passarem batidas" na leitura por uma razão ou outra - até mesmo por me pareceram curiosas.
 

 
Entrevista de Lula a Kennedy Alencar
em Brasília, 21/10/2009

 

Publicada na Folha OnLine em 22/10/2009 - 02h50 - com o título
Para Lula, empresários decepcionaram na crise; leia íntegra da entrevista
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u641276.shtml

 

Na Folha de S.Paulo impressa foram publicados apenas trechos do material abaixo, sendo o maior sob o título (descontextualizado) "No Brasil, Jesus teria que se aliar a Judas", diz Lula. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2210200902.htm

da Folha de S.Paulo

 

[1. ECONOMIA]

 

FOLHA - É correto classificar de marolinha uma crise que gerou desemprego, redução de investimentos e derrubou o crescimento da economia de 5% ao ano para 1% em 2009 no cenário mais otimista?
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA - Foi correto. Temos que separar a crise em dois momentos. Até setembro de 2008, discutíamos a crise do subprime quando ainda não havia o problema dos bancos. Até esse momento, o Brasil sentiria muito pouco a crise por várias razões. A economia estava sólida. Havíamos diversificado nossas exportações. Os bancos brasileiros tinham maior solidez e havia maior controle do Banco Central. Quando veio o Lehman Brothers [quebra do banco americano de investimentos em setembro de 2008], aconteceram duas coisas graves. O dinheiro desapareceu. Uma empresa como a Petrobras passou a pegar empréstimos na Caixa que seria destinado a pequenas empresas brasileiras.

 

FOLHA - Ali não houve um tsunami?
LULA - As coisas não aconteceram aqui como em outras partes do mundo porque nós tomamos medidas imediatas. Liberamos R$ 100 bilhões do depósito compulsório para irrigar o sistema financeiro. Fizemos com que o Banco do Brasil e a Caixa agilizassem mais a liberação de crédito. Fizemos o Banco do Brasil comprar carteiras de bancos menores que estavam prejudicados. Fizemos o Banco do Brasil comprar a Nossa Caixa em São Paulo e comprar 50% do Banco Votorantin. Era preciso que os bancos públicos entrassem em outras fatias do mercado, em que não tinham expertise, como financiar carro usado.

 

Nos debates com empresários, a minha inconformidade é que houve no mês de novembro e dezembro uma parada brusca desnecessária de alguns setores da economia.

 

FOLHA - Em outubro de 2007, o sr. disse que tinha aprendido que era importante governar também para a burguesia, que possuía uma visão diferente de quando era dirigente sindical, pois tinha um lado claro: como presidente, precisava governar para todos, pobres e ricos. Disse também que a burguesia brasileira era a "burguesia que sempre foi, a burguesia que está sempre querendo mais". Falou ainda: "Da minha parte, não existe preconceito. Tenho consciência de que estão ganhando dinheiro no meu governo como nunca". Durante a crise econômica internacional, o que o sr. achou do papel do empresariado brasileiro?
LULA - Alguns setores empresariais resolveram colocar o pé no breque de forma muita rápida, a começar do setor automobilístico, que seguia a orientação das matrizes, que estavam em situação muito delicada. Tinha um estoque razoável. Estavam numa situação privilegiada de produção e venda de carros. De repente, a indústria automobilística parou. Quando ela para, para uma cadeia produtiva que representa 24% do PIB industrial brasileiro. E outros setores que já tinham empréstimos assegurados com o BNDES pararam porque ninguém sabia o que ia acontecer.

 

Aí, fizemos desonerações, liberação de financiamentos, o Meirelles colocou dinheiro das reservas para facilitar nossas exportações. Depois, descobrimos outra coisa grave, os derivativos, feitos por empresas que não pareciam que faziam derivativos. Foi outro problema. Tivemos de conversar com empresa por empresa. Discutir como financiar, como evitar que algumas quebrassem, e colocamos o BNDES em ação.

 

FOLHA - No auge da crise, os bancos privados secaram o crédito. A Vale e a Embraer demitiram de imediato. Foi um comportamento à altura do país naquele momento?
LULA - Não foi. Foi precipitação do setor empresarial, que deveria ter tido tido a tranquilidade que o governo teve. Deveriam ter ouvido o pronunciamento de 22 de dezembro em que fui à TV contraditar a tese de que as pessoas não iam comprar com medo de perder o emprego. Fui dizer que iam perder emprego exatamente se não comprassem.

 

FOLHA - O sr. comprou algo?
LULA - Lógico. Comprei geladeira nova.

 

FOLHA - E a sua opinião hoje sobre a burguesia, pós-crise?
LULA - Não utilizo mais a palavra burguesia.

 

FOLHA - Sobre o grande capital nacional?
LULA - Tem setores diferenciados. Não pode colocar todo mundo no mesmo barco. Tem o setor automobilístico que é dinâmico, mas depende de orientação da matriz. Como a matriz, estava numa situação muito delicada, a orientação recebida aqui era para colocar o pé no breque. Tinha o setor siderúrgico, com 60% da produção para exportação, que, de repente, minguou. A Vale exportava quase tudo o que produz de minério. Na hora em que caiu a demanda da China, houve um breque. O que me deixou decepcionado é que as pessoas deveriam ter tido a paciência para ver o tamanho do buraco. Quando dizíamos que o Brasil seria o último a entrar na crise e o primeiro a sair, nós estávamos convencidos do potencial do Brasil e do mercado interno. Há anos venho dizendo: o problema do Brasil não é o custo final do carro, o problema é saber se a mensalidade que o trabalhador vai pagar cabe no seu holerite.

 

Hoje é um fato consagrado no mundo inteiro: o Brasil hoje é o país mais bem preparado e o que melhor enfrentou a crise.

 

FOLHA - O sr. vai prorrogar a isenção de IPI para a linha branca? Total ou parcialmente?
LULA - Essas coisas a gente não diz sim ou não com antecedência. Se eu disser agora que vai ser prorrogado, as pessoas que iam comprar agora deixam de comprar.

 

FOLHA - O sr. tem simpatia pela prorrogação?
LULA - Tanto tenho simpatia que fiz a desoneração.

 

FOLHA - Com o dólar no patamar de R$ 1,70 e juros ainda altos na comparação com outros países, o sr. não teme viver uma crise cambial em 2010 ou deixar uma bomba-relógio para o sucessor?
LULA - Nunca trabalhei com juros altos tendo como parâmetro outros países.

 

FOLHA - Mas os juros no Brasil são altos, e o sr. reclama.
LULA - Sei. Mas trabalho na comparação com o que era. Em vez de ficar achando que a calça do outro é apertada, eu vejo a minha de manhã. O Brasil tem a menor taxa de juros de muitas décadas.

 

FOLHA - A taxa básica não poderia estar menor?
LULA - Poderia. Mas, descontada a inflação, temos 4%, 4,5% de juro real. Há muitas décadas o Brasil não tinha esse prazer. O problema hoje é o spread bancário, que ainda está alto, e o governo tem trabalhado para reduzir.

 

FOLHA - O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), tem uma crítica...
LULA - Deixa eu falar do câmbio. Depois respondo à crítica do Serra, que é menos importante para mim, para você e para o povo brasileiro. O câmbio sempre foi uma preocupação nossa. Se um dia você for presidente da República e sentar naquela cadeira, vai entrar na sua sala uma turma reclamando que o dólar está baixo, porque ele é exportador e está perdendo. Quando sai, entra a turma dos compradores, importadores, que acham que o dólar está maravilhoso, que é preciso manter assim. Aí entra o ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central e dizem que é maravilhoso o dólar baixo porque controla a inflação.

 

Agora, antes que aconteça, uma superentrada de dólares no Brasil, reduzindo muito o valor do dólar em relação ao real, criando problema na balança comercial, e com algumas empresas exportadores tendo problema, nós demos um sinal com o IOF [Imposto sobre Operações Financeiros, que passou a ser cobrado no ingresso de capitais]. Demos um sinal para ver se a gente equilibra.

 

FOLHA - Especialistas dizem que o IOF será inócuo.
LULA - Se for inócuo, mudamos. Há uma disputa. O setor produtivo totalmente favorável, e o financeiro totalmente contrário. Isso é importante, porque significa que o governo está no caminho do meio, e aí é mais fácil a gente acertar.

 

Em outubro de 2006 escrevi: "A INGRATA ARTE DO EQUILÍBRIO: Ao mesmo tempo, a condução econômica foi provavelmente a mais firme e e-qui-li-bra-da que este país já conheceu. É cômico, mas isso se mostra no fato de que todos os lados a acusam de estar a serviço de outro, o que no momento (se você entender não é piada) está sendo a forma de não deixar o país se dividir (coisa que uns dizem ser o objetivo do PT...): houvesse um lado sem queixa, é provável que isso correspondesse a um perigo. Você vai dizer: "Mas tem: os bancos!" – Acontece que eles não são um lado da vida econômica, operam do centro. É um absurdo evidente que, com a função que têm, possam ser um setor lucrativo como os outros! Os resultados da atividade bancária teriam que pertencer é à sociedade inteira. Mas aqui os mesmos que gritam contra os juros altos sairão imediatamente em defesa da livre iniciativa... E vou fechar este ponto antes que comecem pedradas de todo lado!" (Ralf Rickli)

 

FOLHA - A crítica básica do Serra é a seguinte: o Banco Central jogou fora na crise um bilhete premiado, que seria a oportunidade de baixar mais os juros sem custo. Agora, a crise acabou, a taxa está alta, pode ter que aumentar e jogou fora o bilhete premiado.
LULA - Vivi os dois lados. Quando se é oposição, você acha, pensa, acredita. Quando é governo, faz ou não faz. Toma decisão. O Serra participou de um governo oito anos. Tiveram condições de tomar decisões e não tomaram. Obviamente, qualquer um que for presidente, tem o direito de tomar a posição que bem entender. É como jogador bater pênalti. Brincando todo mundo marca gol. Na hora do pega para capar, até pessoas como o Zico e o Sócrates perderam pênalti.

 

FOLHA - Uma crítica de especialistas e da oposição é o aumento dos gastos públicos no segundo mandato. Além da elevação temporária de gastos na crise, há despesas permanentes que pressionarão o caixa no futuro e tornarão mais difícil baixar os juros. O sr. estaria deixando uma herança maldita.
LULA - As contas do governo nunca estiveram tão boas na história deste país. A política anticíclica na crise fez com que o governo deixasse de arrecadar uma enormidade de dinheiro. Mas é o preço que a gente tem de pagar. Compare o que colocamos de dinheiro na crise, com desoneração, com o que os países ricos tiveram de colocar. Foram trilhões de dólares colocados para ajudar o sistema financeiro, coisa que não precisamos fazer.

 

FOLHA - Saiu barato?
LULA - Eu acho. Em setembro, recuperamos os empregos que perdemos na crise e muito mais. Vamos chegar a um milhão de empregos no final do ano. Veja o mundo desenvolvido.

 

FOLHA - Qual é a sua previsão de crescimento do PIB para este ano?
LULA - Positivo, entre 1% e 1% e pouco. Se não houvesse a brecada brusca entre dezembro e janeiro, poderíamos ter crescido 2,5%, 3% com certa tranquilidade. O importante é o sinal para 2010.

 

FOLHA - Aquela brecada do empresariado sacrificou crescimento econômico?
LULA - O empresário brasileiro foi vítima de uma circunstância. O pânico criado no mundo fez com que todo mundo acordasse de manhã achando que ia acabar o mundo. O pânico precipitou decisões de recuo de setores empresariais. Eu chamei empresários, disse que tínhamos de aproveitar a crise, que tínhamos dinheiro no BNDES, que as empresas com dinheiro em caixa tinham de fazer investimento agora porque, quando a crise acabasse, estaríamos preparados para ocupar outro patamar no mundo. O momento não é de medo, é de investir. Eu jamais demoraria o tanto que foi demorado nos Estados Unidos para salvar a GM.

 

FOLHA - Aécio Neves ataca o inchaço da máquina e diz que o sr. faz um governo para a companheirada. Como o sr. responde?
LULA - Tem duas concepções de ver o Brasil. Tem pessoas que governam o Brasil para o imaginário de uma pequena casta. E tem pessoas que governam pensando em envolver 190 milhões de brasileiros. Quebramos o preconceito de primeiro tem que enxugar a máquina, fazer o país crescer e, então, dividir. Vivi isso durante quatro décadas. Quando resolvemos fazer política social, dissemos que era possível crescer concomitantemente e criamos uma nova casta de consumidores que está ajudando a indústria e o comércio.

 

FOLHA - O sr. recuou no envio de um projeto para cobrar IR de poupança acima de R$ 50 mil e mandou normalizar a devolução da restituição do IR. A lógica eleitoral, com temor de desgaste, autoriza a conclusão de que o sr. não pretende tomar medidas impopulares até o final do governo?
LULA - (Risos). Não faça injustiça, querido. Não adiamos o envio do projeto de lei. Decidimos o que íamos fazer em março, por unanimidade. A oposição que imaginava pegar a poupança como cavalo de batalha, ficou sem discurso. Em vez de a Fazenda mandar em março, como era algo que só valeria para 2010, esperou para mandar agora.

 

FOLHA - Vai enviar ao Congresso?
LULA - Vai mandar. Obviamente, poderemos discutir outras bases. Vai mandar, vai mandar.

 

FOLHA - E sua ordem para normalizar o pagamento da restituição do IR?
LULA - Não havia nada de anormal. No Brasil, já tivemos momentos em que a devolução atrasou. No nosso governo, tivemos momentos em que adiantou.

 

FOLHA - O ministro da Fazenda disse que estava atrasado, e o sr. deu a ordem para acelerar.
LULA - Lógico, porque tem que pagar. Nós precisamos de consumo. Precisamos que o povo tenha dinheiro para comprar. Falei com o Guido [Mantega]: Guido, nós precisamos que o povo tenha dinheiro para comprar. O povo tem de ter o dinheiro em dezembro.

 

*

 

[2]  "No Brasil, Jesus teria de fazer aliança com Judas" 

 

FOLHA - Por que o sr. escolheu Dilma como candidata, uma cristã nova no PT e pessoa que nunca disputou eleição, sem fazer uma discussão no partido e levar em conta os nomes de governadores, como Jaques Wagner (BA) e Marcelo Déda (SE), e de ministros, como Patrus Ananias (Desenvolvimento Social) e Tarso Genro (Justiça)?
LULA - Não estava em discussão quem era PT mais puro sangue, menos puro sangue. Era uma questão de viabilidade política. Dilma é a mais competente gerente que o Estado brasileiro já teve. A capacidade de trabalho da Dilma, a competência, o passado político e o presente, me faz garantir que a Dilma é uma excepcional candidata a presidente da República.

 

FOLHA - O sr. nunca havia sido gestor, era político, virou presidente e faz um governo bem avaliado. Seu argumento não é muito tucano, essa coisa de gerente.
LULA - Não é tucano, não. Além de extraordinária gestora, a Dilma é um extraordinário quadro político. Tem firmeza ideológica, tem compromisso, tem lealdade, sabe de que lado está.

 

FOLHA - O sr. a acha preparada para presidir o Brasil?
LULA - Muito preparada.

 

FOLHA - Já há faixas na rua dizendo que Dilma eleita equivale ao terceiro mandato de Lula.
LULA - É exatamente o contrário. Uma mulher que tem a personalidade que a Dilma tem. Conheço bem a personalidade dela. Isso vai exigir que eu tenha o bom senso de quando elegi o Jair Meneguelli presidente do sindicato de São Bernardo, o José Dirceu presidente do PT. Rei morto, rei posto. A Dilma no governo tem de criar a cara dela, o estilo dela, o jeito dela de governar.

 

FOLHA - Falando do estilo, ela é retratada por pessoas do governo como muito dura no trato pessoal, que falta habilidade política, que massacra algumas pessoas. Isso não é ruim para um presidente?
LULA - O Brasil já teve muitos governantes maleáveis, e não deram certo. Você tem de ser bom, afável, duro, em função de cada circunstância. Uma mulher por si já tem a necessidade de ser mais retraída, pelo preconceito que existe contra a mulher. A Dilma vai surpreender esse país. Quem pensa que a Dilma é uma mulher grosseira, é uma mulher dura, está errado. Na sua casa, se você for com uma gracinha para o lado de sua mulher, ela vai lhe dar um tranco. Se a conversa for séria, não vai dar. E a Dilma tem toda a clareza disso.

 

FOLHA - Dilma precisará refazer sua imagem, tomar um banho de loja, semelhante ao que o sr. fez em 2002?
LULA - (Risos) Por esse aspecto, não precisa. Não mudei minha cara. Comprei apenas um terno novo para 2002. Não é possível mudar a cara. A pessoa pode aprimorar. Em 2002, fizemos uma pesquisa em que 85% diziam que a reforma agrária tinha de ser pacífica. Levei mais de 15 dias para que minha boca pudesse proferir reforma agrária tranquila e pacífica.  Essas mudanças têm de ter. Algumas coisas que a gente fala, pensando que está agradando, não batem com o que povo pensa.

 

FOLHA - O sr. defende uma coalizão e uma disputa plebiscitária. Se a coalizão é tão importante, por que faz tanta questão que o candidato seja do PT e não de um partido aliado?
LULA - Porque seria inexplicável para grande parte da sociedade brasileira o maior partido de esquerda do país, que tem o presidente da República atual, não ter um sucessor. Apenas por isso.

 

FOLHA - Fechou ontem a aliança ontem com o PMDB?
LULA - Patrocinei uma reunião de líderes do PT com o PMDB, que fizeram uma nota. Haverá um acordo nacional, e a chapa será PT-PMDB.

 

FOLHA - Michel Temer é o nome para vice?
LULA - Não posso dar palpite. Quem discute vice é o candidato a presidente.

 

FOLHA - O sr. ainda tem o desejo de que Ciro seja vice de Dilma e que o PMDB apoie?
LULA - Um presidente não tem desejo. Faz o que é possível.

 

FOLHA - É possível?
LULA - Na política, tudo pode acontecer. O Ciro tem todas as condições de ser candidato a presidente. Sou um homem feliz. Feliz desse país, que tem o Ciro, a Dilma, o Serra, o Aécio, a Marina, a Heloísa Helena. Nesse espectro, não tem ninguém de extrema-direita ou conservador ao extremo. Todos têm história. Não acho que é mérito meu, não. Fernando Henrique Cardoso tem importância nisso, pelo fato de ter feito comigo uma transição excepcional.

 

FOLHA - Se Ciro se mantiver emparelhado ou à frente de Dilma em março, quando o sr. e ele combinaram de tomar uma decisão final, que argumento o sr. pode usar para convencê-lo a desistir da Presidência e concorrer em São Paulo?
LULA - Não vou tentar convencê-lo.

 

FOLHA - O sr. patrocina a articulação para ele ser candidato a governador de São Paulo.
LULA - Não é verdade. Não patrocino. O Ciro pertence a um partido pelo qual tenho profundo respeito. O PSB tem os mesmos direitos do PT. Sou o único cidadão que não tem autoridade moral para pedir para alguém não ser candidato. Fui candidato a vida inteira. Só cheguei à Presidência porque teimei. Muita gente achava que eu tinha de desistir. Jamais farei isso [pedir para Ciro desistir].

 

FOLHA - Como o sr. explica ter um governo popular e a oposição liderar nas pesquisas sobre sucessão?
LULA - Ainda não temos candidatos

 

FOLHA - Os motivos? Recall?
LULA - Lógico que é recall. O fato de ter um candidato da oposição que é governador de São Paulo, já foi candidato a presidente, que já foi senador, que já foi ministro, tem uma cara muito conhecida no Brasil inteiro.

 

Obviamente, a transferência de voto não é como passe de mágica. Vamos trabalhar para que a gente possa transferir todo o prestígio angariado pelo governo e pelo presidente para a nossa candidatura.

 

FOLHA - O sr. diz que ainda não há candidatos. Mas todo dia a Dilma aparece com o sr. no noticiário, viajando. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, classificou de vale-tudo as viagens que viram comícios.
LULA - Você passa o tempo inteiro plantando a sua rocinha. É justo que, quando ela ficar no ponto de colher, você vá colher. Foi grande o sacrifício que fizemos para o Brasil voltar a investir em infraestrutura. A gente não tinha dinheiro. Se olhássemos o saldo de caixa do governo para fazer o PAC, a gente não teria feito. Foi uma decisão de que faríamos e arrumaríamos dinheiro onde fosse necessário.

 

A Dilma trabalha das oito, nove da manhã às três da manhã. Quando era ministra das Minas e Energia, ela ficava, às vezes, três e meia da manhã, ficava comendo lanche com os assessores para fazer as coisas andar. Ninguém pode ser contra a Dilma ir às obras comigo. Até porque, se ela for candidata, a lei determina que tem prazo em que ela não poderá mais ir. Até chegar lá, ela é governo. É um debate pequeno.

 

FOLHA - Mendes disse que o governo testa o limite da Justiça Eleitoral.
LULA - É um debate pequeno. Cada brasileiro, seja ele presidente da suprema corte ou o mais humilde, tem o direito de falar o que bem entender, mas tem uma lógica. Nós vamos continuar inaugurando obra. Tudo que a oposição quer é mostrar na TV tudo o que eu não fizer. O que eu fizer eu tenho obrigação de inaugurar, porque sei qual foi o sacrifício para chegar aonde chegamos.

 

FOLHA - O sr. teme uma chapa Serra-Aécio?
LULA - Não [com voz firme].

 

FOLHA - O sr. pediu a Aécio para não ser vice de Serra?
LULA - [Riso] Não, não.

 

FOLHA - O sr. não subestimou Marina, que deixou o PT para, segundo ela, construir uma nova utopia no PV?
LULA - Se ela acredita nisso, não sou que vou desmentir. Nunca subestimei a Marina, porque a adoro como pessoa humana. Tenho carinho por ela. Fomos militantes juntos por 30 anos. Ela me pediu demissão em janeiro do ano passado, eu não dei. Na medida em que quis sair do governo e do partido, é um direito dela. Só tenho que desejar sorte, que Deus ajude. É uma pessoa boa.

 

FOLHA - Por que o sr. não abandonou Sarney na crise do Senado?
LULA - Por uma razão muito simples. O PT teve candidato a presidente do Senado, derrotado [Tião Viana, do Acre]. Não entendi porque os mesmos que elegeram Sarney, um mês depois, queriam derrubá-lo. Coincidentemente, o vice não era uma pessoa [Marconi Perillo, do PSDB de Goiás] que a gente possa dizer que dá mais garantia ao Estado brasileiro do que o Sarney. A manutenção do Sarney era questão de segurança institucional. O Senado está calmo. Está funcionando. Qualquer cidadão pode perder a cabeça, um presidente da República não pode perder a cabeça.

 

FOLHA - Se Sarney caísse, acabaria sua sustentação política no Senado?
LULA - A queda do Sarney era o único espaço de poder que a oposição tinha. Aí, ao invés de governabilidade, iam querer fazer um inferno neste país. Foi correta a decisão de manter o Sarney no Senado.

 

FOLHA - Falando do seu papel como presidente da República, o sr. chegou a dizer que Sarney não poderia ser tratado como um cidadão comum. Não é incorreto numa democracia, onde ninguém está acima da lei? Um presidente falar isso não transmite mensagem ruim?
LULA - É verdade que ninguém está acima da lei, mas é importante que a gente não permita a execração das pessoas por conveniências eminentemente políticas. Sarney foi presidente. Os ex-presidentes precisam ser respeitados, porque foram instituições brasileiras. Não pode banalizar a figura de um ex-presidente. O que vem depois da negação da política é pior do que a gente tinha. O mundo está cheio de exemplos.

 

A negação do socialismo, feita pela Gorbatchov, deu quem? O que tomava vodca lá, o [Bóris] Iéltsin. A relação com a política tem de ser mais séria. Não adianta falar mal do Congresso Nacional, porque ele é a cara do que foi votado pelo povo. O importante é que a democracia garante que a cada 4 anos haja troca.

 

FOLHA - O sr. apoiou Sarney, reatou relações com Collor, é amigo do Renan Calheiros, do Jader Barbalho e recebeu o Delúbio Soares recentemente na Granja do Torto. Todos eles são acusados de práticas atrasadas na política e até de corrupção. Ao se aproximar dessas figuras, o presidente não transmite ideia de tolerância com desvios éticos?
LULA - O dia que você for acusado, justa ou injustamente, enquanto não for julgado, terá de ser tratado como cidadão normal. Não tenho relações de amizade, mas relações institucionais. As pessoas ganharam eleições e exercem seus mandatos.

 

FOLHA - O cidadão que admira o Lula e o vê abraçado com essas figuras...
LULA - O cidadão que admira o Lula tem de saber que essas pessoas foram eleitas democraticamente. E o eleitor dessas pessoas é tão bom quanto ele.

 

FOLHA - O sr. trabalhou tanto pela reabilitação política de Palocci. O episódio do caseiro não é insuperável do ponto de vista eleitoral para um candidato majoritário?
LULA - Estranho a malandragem da pergunta: "O sr. trabalhou pelo Palocci". Deixa eu lhe falar uma coisa, desejo que todos os que foram acusados, e acho que tem muita gente acusada injustamente, que todos sejam julgados. Palocci teve um veredicto. Não tem mais nenhuma pendência com a Justiça. Portanto, o Palocci pode ser o que ele quiser ser.

 

FOLHA - E [pendência] perante o eleitorado?
LULA - Aí terá de ser construído.

 

FOLHA - Ele pode ser candidato a governador de São Paulo?
LULA - Ele tem inteligência suficiente para saber se o momento é de ter uma candidatura ou não.

 

FOLHA - Qual é sua opinião?
LULA - Não tenho opinião. Se fizer a pergunta em março, terei opinião. Palocci pode reconstruir a vida dele. Durante os primeiros anos do meu governo, ele era considerado a pessoa mais respeitada no mundo empresarial, no mundo financeiro. Ele está quase perto de ser um gênio político e vai saber tomar a decisão.

 

FOLHA - Seu aliado Ciro Gomes diz que há "frouxidão moral" na hegemonia da aliança PT-PMDB, da qual o sr é o principal avalista. Sobre o encontro com o PMDB, disse: "Espero que o PMDB entregue o que prometeu. E espero que os argumentos dessa aliança sejam confessáveis publicamente". Como o sr. responde a essas críticas?
LULA - A aliança com o PMDB e os demais partidos permitiram uma governança muito tranquila. Tive a governança mais tranquila que FHC e Sarney. Se for confirmada a aliança com o PMDB, será feito um documento público explícito para saber qual são os compromissos assumidos. Pra mim, as coisas têm de ser explícitas.

 

FOLHA - E a frouxidão moral?
LULA - É um conceito do Ciro.

 

FOLHA - Não quer responder?
LULA - Estou respondendo. É uma opinião do Ciro.

 

FOLHA - Não o incomoda?
LULA - Não. O Ciro esteve no meu governo. A única que não tem aqui é frouxidão moral.

 

FOLHA - Ciro disse que o sr. e FHC foram tolerantes com o patrimonialismo para fazer aliança no Congresso. Ou seja, aceitaram a prática política de usar os bens públicos como privados. "No governo Lula, vi um pouco de novo a mesma coisa", ele disse em entrevista em fevereiro de 2008. Como responde a essa crítica?
LULA - Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o maior xiita deste país ou o maior direitista, ele não conseguirá montar o governo fora da realidade política. Entre o que se quer e o que se pode fazer, tem uma diferença do tamanho do oceano Atlântico. E o eleitor escolheu seus representantes. Quem ganhar a Presidência amanhã, terá de fazer quase a mesma composição, porque este é o espectro político brasileiro. Não é o espectro do Ciro, do Lula, do FHC, do Serra, da Dilma. Coloque tudo isso na frigideira e perceberá que são os ovos que a galinha botou. São com eles que terá de fazer o omelete.

 

FOLHA - Nunca se sentiu incomodado por ter feito alguma concessão?
LULA - Nunca me senti incomodado. Nunca fiz concessão política. Faço acordo. Uma forma de evitar a montagem do governo é ficar dizendo que vai encher de petista. O que a oposição quer dizer com isso? Era para deixar quem estava. O PSDB e o PFL (hoje DEM) queriam deixar nos cargos quem já estava lá. Quem vier para cá não montará governo fora da realidade política. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão.

 

FOLHA - É isso que explica o sr. ter reatado com Collor, apesar do jogo baixo na campanha de 1989?
LULA - Minha relação com o Collor é a de um presidente da República com um senador de um partido que faz parte da base da base. Os senadores do PTB têm votado sistematicamente com o governo.

 

FOLHA - Do ponto de vista pessoal, não o incomoda? Não lhe dá aperto no peito?
LULA - Não tenho razão para carregar mágoa ou ressentimento. Quando o cidadão tem mágoa, só ele sofre. A pessoa que é a razão de ele ter mágoa vive muito bem, e só ele sofre. Quando se chega à Presidência da República, a responsabilidade nas suas costas é de tal envergadura que você não tem o direito de ser pequeno. Tem de ter as atitudes de chefe de Estado. Fico sempre olhando quando a Alemanha e a França resolveram criar a União Européia. A grandeza daqueles dirigentes políticos, ainda com o gosto de sangue da Segunda Guerra Mundial.

 

FOLHA - O sr. cobrou um esclarecimento da ex-secretária da Receita, Lina Vieira. Ela achou a agenda e a data, 9 de outubro, em que teria se encontrado com Dilma e ouvido o pedido para acelerar as investigações da Receita sobre Sarney. A ministra e o governo não devem esclarecimentos que o sr. mesmo cobrou?
LULA - É fantástico. O engraçado é que quando se levanta uma tese, essa tese fica sendo martelada todo santo dia para ver se ela vinga. Ora, o governo mesmo disse que a Lina tinha vindo aqui em outubro. Isso foi nós que dissemos. Acho estranho tirar tantos dias de férias para depois encontrar sua agenda.

 

FOLHA - Não é preciso mais explicações da Dilma?
LULA - Não tenho dúvida nenhuma. Também não tenho dúvida de que a Lina também deve ser uma grande funcionária pública. Muitas vezes as pessoas são vítimas de uma palavra a mais ou a menos. Quando as pessoas viram vítimas de utilização política, quando fulano procura alguém, e ninguém fala diretamente, sempre alguém fala por eles, aprendi a não levar muito a sério.

 

FOLHA - O sr. acha que Lina está sendo usada?
LULA - A dona Lina é dona da sua consciência. A dona Dilma é dona da sua consciência.

 

*

 

[3] "Papel da imprensa não é fiscalizar, é informar"

 

[A pergunta não aparece no original copiado]
LULA - Não faz mal porque aprendi, ao longo da minha vida, cair e levantar, cair e levantar. A pesquisa de opinião pública é como medir a pressão.

 

FOLHA - Quando o Rio foi escolhido para sediar as Olimpíadas de 2016, o sr. disse que simbolizava a entrada do Brasil no primeiro mundo político e econômico. O episódio da derrubada de um helicóptero no último sábado não mostra que aquele Rio vendido lá é fantasia e que seu discurso é irrealista?
LULA - Pelo contrário. Disse que o Brasil tinha conquistado sua cidadania internacional. E reafirmo. Foi um momento glorioso ter a maior votação que um país já teve na história das Olimpíadas. Não foram escondidos os problemas sociais do Rio.

 

FOLHA - O secretário da Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, diz que "o Rio precisa que o governo federal assuma a responsabilidade legal pelo combate à droga". Empurrou a responsabilidade para o governo federal.
LULA - O governador [Sérgio Cabral] contraditou o secretário. O secretário é uma figura da Polícia Federal muito respeitada, muito amigo do diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. Em momentos de medo, de insegurança, as pessoas falam qualquer coisa. Converse com o governador para ver a parceria na área de segurança que estamos construindo.

 

FOLHA - O sr. assistiu ao filme "Lula, o filho do Brasil"?
LULA - Não. Estou sendo convidado. Quinhentas ofertas. Quero sentar com a minha família e ver o filme.

 

FOLHA - Com financiamento de grandes empresários e ajuda das centrais sindicais na distribuição, não é um instrumento de propaganda personalista?
LULA - Se isso prevalecer, não sei o que fazer. Vou entrar numa redoma de vidro, mandar cobrir e não apareço mais em lugar nenhum. Tem um livro sobre a minha vida que é pública. O cidadão resolve fazer um filme. A única condição que impus foi não ter dinheiro público, e eu não quero que fale do governo. Do governo, só quando acabar.

 

FOLHA - O sr. não teme a repercussão negativa entre os judeus do encontro com o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad?
LULA - Muito pelo contrário. Não estou preocupado com judeus nem com árabes. Estou preocupado com a relação do estado brasileiro com o estado iraniano. Temos uma relação comercial, queremos ter uma relação política, e eu disse ao presidente Barack Obama (EUA), ao presidente Nicolas Sarkozy (França) e à primeira-ministra Angela Merkel (Alemanha) que a gente a não vai trazer o Irã para boas causas se a gente ficar encurralando ele na parede. É preciso criar espaços para conversar.

 

FOLHA - Ações recentes da política externa na América Latina foram de contraponto a Washington. O Brasil tem de ser um contrapeso à força dos EUA na região?
LULA - Não quero ser um contraponto a Washington. Quando propus a criação do Conselho de Defesa e de combate ao narcotráfico, tinha duas coisas na cabeça. Nós precisamos nos transformar numa zona de paz. E, enquanto América do Sul, a gente assuma a responsabilidade de combater o narcotráfico. Porque aí vai permitir que os países consumidores cuidem dos seus consumidores.

 

FOLHA - Zelaya completou completou um mês na embaixada brasileira fazendo política interna. Não foi longe demais?
LULA - Só tem um exagero em Honduras. É o golpista.

 

FOLHA - O sr. diz que a imprensa internacional elogia o Brasil e a nacional puxa o Brasil para baixo. Nos EUA, o Obama apanha da imprensa, e é elogiado na imprensa internacional. Isso não acontece porque a imprensa nacional conhece o país melhor?
LULA - [Risos] Quisera Deus que fosse verdade. Estou convencido de que a imprensa nacional conhece melhor o país, até porque tem obrigação de conhecer. Mas, às vezes, vejo um comportamento de um setor da imprensa muito ideologizado. Sou amante da democracia e da liberdade de imprensa. A maior alegria que tenho é que os leitores, ouvintes e telespectadores são os únicos censuradores que admito nos meios de comunicação. Portanto, cada um paga pelo que faz.

 

FOLHA - Um dos papéis da imprensa é fiscalizar o poder. O sr. não está incomodado com a imprensa cumprindo o seu papel?
LULA - Não incomoda.

 

FOLHA - O sr. disse que tem azia quando lê jornais.
LULA - Como presidente, nunca fico incomodado. Não acho que o papel da imprensa é fiscalizar. O papel é informar.

 

FOLHA - A imprensa não tem de ser fiscal do poder?
LULA - Para ser fiscal, tem o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria-Geral da República, tem um monte de coisas. A imprensa tem de ser o grande órgão informador da opinião pública. Essa informação pode ser de elogios ao governo, de denúncias sobre o governo, de outros assuntos. A única que peço a Deus é que a imprensa informe da maneira mais isenta possível, e as posições políticas sejam colocadas nos editoriais.

 

FOLHA - O sr. acha legítimo o governo interferir na gestão de uma empresa privada como o sr. faz em relação à Vale?
LULA - Não interferi na Vale.

 

FOLHA - Houve interferência pública.
LULA - É preciso parar com essa mania de entender que só o presidente da República tem responsabilidade com o Brasil. Os 190 milhões têm. E, mais ainda, os empresários têm. E aqueles que receberam benefício do governo têm mais ainda. O que eu disse ao companheiro Roger foi pedir para a Vale colocar todo o seu poder de investimento em investimentos internos. Não apenas na exploração de minério, mas também na transformação desses minérios em aço.

 

Os trabalhadores da Vale sabem do carinho que tenho por ela. Tenho feito esforço em vários países do mundo, ajudando a cavar espaço para que a Vale seja empresa multinacional. Agora, não pode acontecer, quando deu um sinal de crise, mandar tanta gente embora como mandou. O Roger já sabe que houve equívoco nisso.

 

FOLHA - Na fusão da Oi com a Brasil Telecom, o sr. mudou a regra para favorecer um negócio em andamento de um empresário que é seu amigo e contribui para suas campanhas, Sérgio Andrade. Foi um benefício do Estado a um grupo privado. Isso não ultrapassa o limite ético?
LULA - Vocês são engraçadíssimos. Temos uma agência reguladora.

 

FOLHA - Mas o sr. assinou um decreto mudando a regra.
LULA - A legislação brasileira permite que a agência faça a regulação que melhor atenda ao mercado brasileiro. Estou convencido de que foi correta a decisão do governo.

 

*

 

[aqui acaba, no meu ver, o importante da entrevista, mas transcrevo até o fim como saiu na Folha Online]

 

[4] Lula elogia Dunga e diz quem tem vaga garantida na seleção

 

O presidente Lula diz ser "excepcional" o saldo de Dunga na seleção brasileira. Acha que o Corinthians não tem mais chance de ganhar o Campeonato Brasileiro. O título, crê, está em disputa entre Palmeiras, São Paulo, Atlético Mineiro e Flamengo, que vem "despontando".

 

Fala que Robinho "faz motocicleta" em campo. "Nem bicicleta é." Conta que aconselhou Ronaldo a se preparar para ser convocado. Recusou-se a escalar seus onze titulares, mas opinou sobre quem teria vaga garantida para a Copa de 2010 na África do Sul.

 

"Dunga ganhou o que a gente não imaginava que ele ia ganhar". Diz que o técnico foi "demonizado" como jogador em 1990, com "o fracasso da seleção" na Alemanha. Mas saiu como "herói" na Copa de 1994, nos Estados Unidos. "É casca de ferida."

 

Falou que, se a seleção jogar a Copa de 2010 com "o espírito" da Copa das Confederações, "já está bom". "Ganhar a Copa ou não, é consequência. Para o torcedor, o que é a gente quer, além de ganhar, é muita raça", disse.

 

Para ele, Luís Fabiano "está excepcional" e será titular. Os outros titulares seriam Júlio Cesar, Maicon, Lúcio, Júan, Felipe Melo, Gilberto Silva e Kaká.

 

Apesar da irregularidade, Lula levaria Robinho para a África do Sul: "Às vezes, o cara é convocado porque o técnico tem afinidade com as pessoas que cumprem as tarefas do técnico. E o Robinho é aquele moleque de explosão. Tem dia que a gente fica nervoso porque ele não faz nada. Tem dia que a gente vê ele fazer lá uma motocicleta, nem bicicleta é, e marcar um gol espetacular".

 

O presidente colocaria no grupo André Santos, Daniel Alves e Nilmar. "Se fosse técnico, levaria o Nilmar. Tenho de convocar 22 e só vou colocar 11 em campo. O Nilmar é um moleque de uma explosão extraordinária. Muito esperto, muito ligeiro", opina.

 

Conta que disse a Ronaldo para se preparar fisicamente para "ser convocado" e ser reserva de Luís Fabiano. "O Ronaldão é sempre o Ronaldão". Sobre Gilberto Silva, diz; "Sinto que é uma das figuras de confiança do Dunga".

 

*

 

[5] PINGA FOGO

 

Vale, a maior empresa privada do país
A cara do Brasil lá fora.

 

Roger Agnelli, presidente da Vale
Grande executivo.

 

Eike Batista, o homem mais rico do Brasil
Grande executivo.

 

Dona Lindu, mãe
Junto com a Marisa são as duas melhores mulheres do mundo.

 

Sr. Aristides, pai
Tenho boa lembrança do meu pai. Quando era pequeno, tinha muita bronca, porque ele era muito severo. Depois que fiquei politizado, tenho compreensão do motivo de meu pai ser rude.

 

Frei Chico, irmão
Figura excepcional

 

Lurdes, primeira mulher, que já morreu
Extraordinária

 

Marisa Letícia, primeira-dama
Uma das responsáveis pelo que eu sou

 

José Alencar, vice-presidente
O melhor vice do mundo

 

José Sarney, presidente do Senado
Grande republicano

 

Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã
Não conheço bem

 

Barack Obama, presidente dos EUA
Grande esperança. Um bem para os EUA e para o mundo

 

Michele Obama, primeira-dama dos EUA
Muito simpática

 

Nicolas Sarkozy, presidente da França
Surpreendentemente extraordinário.

 

Carla Bruni, primeira-dama da França
Sei que é muito bonita

 

Cristina Kirchnerr, presidente da Argentina
Grande presidente. Vai terminar fazendo grande governo

 

Michelle Bachelet, presidente do Chile
Muito competente

 

Angela Merkel, primeira-ministra
Figura séria. A Alemanha está em boas mãos

 

Lula
Sempre procuro me comportar com a maior humildade possível. Gosto de falar com o povo. Odeio intermediário com o povo. Esse negócio de gente falar por mim, eu não gosto. Por isso, falo muito.