Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

30 janeiro 2009

minha visão sobre a crise mundial, cada vez mais resumida

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Ao responder a um amigo que mandou uma matéria sobre a crise mundial, consegui resumir minha posição a respeito às seguintes palavras - e sei que ainda dá pra resumir mais.
 
Além disso, é preciso acrescentar ao quadro a questão dos grandes parasitas sociais das últimas décadas, muito mais que qualquer governo corrupto: a classe dos altos executivos, com seus salários anuais da ordem do milhão de dólares. Onde está agora o produto social que eles capitalizaram ao longo dessas décadas?
 
Mas esse é um assunto que tem que ficar pra depois. Fiquemos por enquanto com a estrutura central do negócio:

"Ainda não li a matéria que você me mandou, mas se o autor disser que a crise mundial é uma farsa, eu serei o primeiro a concordar com ele.  É 'por esporte' que estou escrevendo aqui antes de ler o artigo dele, só para ver se coincide ou não...
 
Já foi demonstrado há tempo que o sistema capitalista só funciona se houver um "exército de mão de obra de reserva". O desemprego estava muito baixo no mundo, e isso começava a ameaçar enfraquecer o poder dos que estão bem por cima do sistema.
 
Um raciocício simples assim: se todos tivessem nas mãos precisamente a mesma quantidade de dinheiro, quem aceitaria fazer para outro um trabalho que não quer fazer? O dinheiro não compraria mais nada... Ou seja: o único valor do dinheiro é a diferença social; ele é precisamente uma medida da diferença de poder (como voltagem é da diferença de potencial elétrico entre dois pontos).
 
E a crise foi induzida pelos 'mestres' do sistema (fazendo operações que eles sabiam muito bem que eram insustentáveis) precisamente para gerar mais pobreza no mundo de novo. Pois sem isso o poder deles estaria em dacadência."
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27 janeiro 2009

Caso Battisti: assunto mais relevante pra nós do que vc está pensando

O que estão escondendo no caso Battisti, e por quê

Aposto que ESTE É UM DOS ASSUNTOS HISTORICAMENTE IMPORTANTES DO MOMENTO, e muitos de nós talvez não estejamos percebendo. Parece que a velha direita eurocêntrica está procurando pelo em ovo porque o Brasil anda muito saidinho pro gosto deles, ultimamente. Dá uma olhada aí:
 
A grande imprensa não para de noticiar os protestos do governo italiano contra a decisão do Brasil de dar asilo ao ex-militante radical Cesare Battisti. Passa-se o tempo todo a impressão de que foi uma decisão absolutamente "porra louca", sem base nenhuma.
 
Foi somente na Agência Carta Maior que encontrei o outro lado do caso: as dúvidas que pairam quanto ao julgamento à revelia de Battisti em 1987, o fato de que o governo Mitterand também já negara extradição...  Por que nossa grande imprensa não fala de nada disso?
 
E aí de repente lembro que o atual primeiro-ministro da Itália é um magnata da imprensa... Representante típico de uma certa direita que se vale da força da imprensa como instrumento de poder - com o qual vem se safando inclusive de repetidas acusações de corrupção e de ligação com a Máfia.
 
Mas deve ser só coincidência, não?  Não deve haver nenhuma relação...
 
Mando a seguir o artigo de Flávio Aguiar na Carta Maior, com alguns trechos destacados em negrito. (Ralf)
 

 
16/01/2009 | Copyleft
 

DEBATE ABERTO

O caso Battisti: uma decisão adequada

Na imprensa conservadora vale o princípio segundo o qual "in dubio" ou "in certeza", pau no governo Lula. Nessa ótica, até certo ponto, Cesare Battisti é irrelevante. O que importa é desqualificar o ministro da Justiça.

Nunca o que o sentimento conservador, visivelmente irado desde seis anos completos, publicou na sua imprensa sobre o Brasil e o mundo, e o Brasil no mundo, foi tão irrelevante como agora.

O Brasil no mundo de hoje lhe apresenta uma faceta insuportável. Nunca a recepção do Brasil em quase todos os círculos foi tão boa quanto agora. Nunca a política externa brasileira e a sua diplomacia que, diga-se de passagem, sempre foram tidas como competentes e pertinentes pelo mundo afora desde mais ou menos 1850, gozaram de tanto prestígio como agora.

O Brasil vive um "momento virtuoso" de estabilidade democrática, desenvolvimento sustentável e diminuição da pobreza que fez o país mudar de lugar na ordem mundial. Isso é inegável. Para desespero daqueles comentaristas do pensamento conservador, o mundo não lê os jornais em que eles publicam nem vê a televisão e muito menos ouve as rádios em que fermentam e destilam o anacronismo de seu pensamento.

Para esse pensamento é sempre necessário "provar" a desqualificação das atitudes do governo liderado por Lula, devido ao "esquerdismo" deficiente do comportamento petista diante do mundo. Sempre há várias bolas da vez. Recentemente foi o assessor para política internacional, Marco Aurélio Garcia, definido em artigos sempre carregados de odioso ressentimento, como aquele que força o governo Lula a alianças com a "indiada" da América Latina.

Agora é a vez do ministro Tarso Genro, graças à sua decisão de estender o direito de asilo a Cesare Battisti, ex-membro da organização "Proletários Armados pelo Comunismo", na Itália. Battisti é sistematicamente apresentado como um reles terrorista, que caiu nas boas graças do "trapalhão no Ministério da Justiça", que assim gerou um problema diplomático com a Itália.

O caso é bem mais complicado. Os "Proletários Armados..." foram formalmente acusados por quatro crimes de morte, cometido ao final dos anos setenta. Além disso, foram-lhe imputadas diversas outras acusações por crimes "menores", como expropriações, assaltos, coisas assim. Battisti foi preso em 1979, e condenado por estas acusações "menores" a 12 anos de prisão. Em 1981 ele fugiu da prisão, vivendo os anos seguintes no México, na Nicarágua e na França. Na América Central Battisti tornou-se uma figura intelectual de relevância, tendo fundado revistas literárias e organizado atividades para o mundo do livro. Além disso, deu seguidas declarações de que abandonara as atividades de luta armada depois do assassinato de Aldo Moro na Itália.

Mas em 1987 ele voltou a julgamento, "in absentia", devido a declarações de seu ex-correligionário Pietro Mutti, que, no sistema de "delação premiada", denunciou-o por aqueles quatro assassinatos, sendo então condenado à prisão perpétua. Na França, enfrentou um pedido de extradição, feito pelo governo italiano, que foi rejeitado, com base na "doutrina Mitterand", segundo a qual nenhum acusado que rejeitasse a violência seria extraditado se se considerasse que no seu julgamento não houvesse adequadas condições de defesa. Portanto, diga-se de passagem, a decisão do Ministro Tarso Genro tem precedentes, não só na doutrina Mitterand, mas em decisões judiciais nela baseadas.

Ocorre que depois a Itália, a França e a Europa inteira "endireitaram-se". As cortes italianas negaram novo julgamento a Battisti, cujos advogados, inclusive os franceses, sempre alegaram que o segundo, pelo menos, o de 1987, fora viciado, com manipulação da 'delação premiada', além de outras irregularidades, como falhas na produção de provas técnicas. Quanto a Battisti, ele sempre negou ter participado daqueles quatro assassinatos, e sempre concordou a se submeter a novo julgamento.

Com o endurecimento da situação na França e também na Itália, durante o primeiro mandato de Berlusconi, apoiado pela Liga do Norte, sobre que pesam acusações de intolerância beirando o neo-fascismo, e o segundo mandato agora em curso, Battisti buscou o Brasil, onde foi preso em 2007.

O que se pode dizer depois de todo esse percurso é que pairam consistentes dúvidas sobre a lisura de tudo. E que num caso desses, o que se pode pregar, do ponto de vista da justiça, é o princípio do "in dubio pro reo". Mas na imprensa conservadora vale o princípio segundo o qual "in dubio" ou "in certeza", pau no governo Lula. Nessa ótica, até certo ponto, Battisti é irrelevante. O que importa é desqualificar o ministro.

Corrijam-me se eu estiver errado: não me lembro de ter lido nessa imprensa manifestações iradas e veementes quando o Brasil concedeu asilo a Stroessner, sabidamente alguém que devia ser considerado um criminoso de guerra. Tudo bem. Pode ser que a decisão brasileira de então, em nome de um princípio político de abrir caminho para o futuro no continente, e em nome de não permitir um julgamento em clima emocional, fosse pertinente.

Por que não seria também agora no caso de Battisti?


Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior.

texto selecionado e compartilhado por
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Ralf Rickli • arte em idéias, palavras & educação
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26 janeiro 2009

uma posição judaica MORAL sobre a questão palestina

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Continuo insistindo com a questão de Gaza neste meu blog, apesar de não ser nem judeu nem palestino, pois se trata de uma questão da humanidade inteira, quando se tem consciência. Como escrevi no meu perfil do orkut:
 
Não relaxe ainda, caro Mundo! Não tire Gaza dos olhos
até entendermos que nenhuma prepotência pode ser tolerada
entre nós teus filhos
 
O jornalista Gideon Levy continua se mostrando uma das vozes mais responsáveis, sóbrias e sábias dentro do povo judeu da atualidade.  Grito que é a gente como ele que seu povo precisa ouvir, se quiser que a existência de um Estado de Israel seja aceitável por uma humanidade madura, livre, responsável, que superou as crendices e superstições que serviam de base para maquiar interesses dos mais primitivos e imorais apresentando-os como se fossem "vontade de Deus".    (Ralf)
 

 
 
26/01/2009 | Copyleft
 

O próximo passo

A situação do povo palestino e as consequências do recente ataque de Israel a Gaza fazem parte da pauta de debates do Fórum Social Mundial. Em artigo publicado no jornal Haaretz, o jornalista Gideon Levy apresenta uma proposta da esquerda israelense sobre o tema: "Gaza precisa de uma passagem para o mundo, e essa passagem tem de passar por Israel. As negociações têm de visar ao estabelecimento de um Estado Palestino, nas fronteiras de 1967. E Israel tem que falar com o Hamas. Imediatamente", escreve.

A vasta maioria festejou aos gritos, uma minoria muito pequena gritou em silêncio, como um assovio na escuridão. A imensamente dominante maioria só queria mais e mais, a minoria muito pequena só queria que aquilo parasse. A absoluta maioria gargalhou, encomendou pizzas e filmes com cenas dos bombardeios, e muitos subiram aos telhados próximos à fronteira de Gaza, com os filhos, para assistir ao massacre com seus próprios olhos. Uma mínima maioria tentou protestar, encolhida de vergonha e de culpa, a cada nova imagem que chegava de Gaza.

Nunca antes, desde o verão de 1967, viu-se tão eficaz lavagem cerebral, e tal coro tão uniformemente manipulado – e voltou então o coro nacionalista bestial, insensível, cego. Mas agora, a poeira baixou nas ruínas, e não há bandagem suficiente para cobrir todas as chagas; os cemitérios cheios, os hospitais lotados; os feridos, os quebrados, os incapacitados, os amputados, os aleijados, os traumatizados, os enlutados, os milhares de feridos e as dezenas de milhares de novos desabrigados e sem-teto tentam reabiitar o que possam. Agora, é tempo de elaborar sobre alguma alternativa à guerra mais brutal e mais cruel de toda a história de Israel, e a mais completamente desnecessária.

Primeiro, há um caminho que Israel jamais quis trilhar. Nem Oslo nem a retirada de 2005 foram suficientes. Sendo a guerra sempre o meio preferido e a violência sem freio, Israel praticamente sempre falou pela força, só a violência, como única linguagem. Pela força e por golpes, Israel fez a guerra, mais uma guerra. A força veio do exército; os golpes, da imprensa. Qualquer via alternativa foi sempre condenada.

Segundo, nunca é possível reconstruir, seja o que for, a partir só do que se ouve num determinado instante. Temos de lembrar o contexto, e o contexto sempre foi distorcido, a ponto de ter-se tornado irreconhecível.

O cessar-fogo com o Hamas foi firmado dia 19/6/2008. Foi recebido com frieza em Israel e com o azedume com que se recebem movimentos políticos. Ehud Olmert disse que seria "frágil e de curto-prazo", como profecia feita para se autocumprir. Nos meses seguintes, Israel foi intoxicada pelos mais aterrorizantes relatórios e análises dos serviços de segurança, sobre o quanto o Hamas se estaria armando, sobre os danos causados pelo cessar-fogo, pelos perigos que ameaçavam os israelenses por causa do cessar-fogo e sobre o quanto o Hamas, só o Hamas, beneficiava-se com o cessar-fogo.

Apagou-se do mundo o fato de que os moradores do sul de Israel viveram tempos de sossego, praticamente sem nenhum Qassam. As centenas de túneis em Rafah, a maiorias dos quais traziam oxigênio para Gaza sitiada – à qual, mesmo quando se abriam os postos de fronteira, Israel sempre proibiu a chegada dos bens indispensáveis à vida, cadernos para as crianças, cimento para construir – foram descritos em Israel como se existissem exclusivamente para o contrabando de armas: túneis demoníacos, pelos quais teria passado tudo que, de algum modo, se assemelhasse a armas nucleares.

A nua verdade sobre o que estava sendo contrabandeado pelos túneis só foi conhecida na guerra: pouca, parca, fraca munição.

O acordo de cessar-fogo, é preciso lembrar, incluía que Israel abriria os postos de fronteira. Depois de assinado o acordo, Israel decidiu que os postos de fronteira permaneceriam fechados, porque a passagem de Karni seria "inadequada".

Depois, começou o método "zipper": fechavam-se os postos de passagem depois de cada rojão Qassam, o velho método do chicote-e-cenoura. Sim, claro que houve Qassams e morteiros – poucos, desnecessários, improdutivos, errados, estéreis – que deveriam ter sido relevados com sabedoria. A cada evento, uma nova e maior violação do acordo de cessar-fogo, por Israel, que incluiu invasão por terra, dia 4/11/2008, para explodir uma casa e um túnel e para assassinar seis homens do Hamas – e que foi completamente ato de guerra de Israel a Gaza.

Depois disso, tudo se deteriorou muito rapidamente, como Israel previa, como Israel aparentemente quis que acontecesse.

Ainda que não se incluísse na discussão uma única palavra sobre o contexto amplo, histórico – os refugiados que vivem em Gaza desde 1948, o que os torna refugiados de guerra e os 40 anos de ocupação em Gaza, desde 1967 – o contexto a ser considerado hoje tem de incluir, necessariamente, o sítio e o boicote que Israel e a comunidade internacional impuseram (i) ao Hamas, partido que chegou ao poder mediante eleições perfeitamente democráticas, em janeiro de 2006; e (ii) também contra o governo palestino de unidade nacional estabelecido em março de 2007.

Tudo isso aconteceu antes de o Hamas assumir o controle de Gaza, pela força, por golpe, depois de não conseguir instituir-se como poder democrático, nascido de eleições democráticas, pelo tipo de oposição que lhe fez o partido Fatah. Todo esse curso de eventos teria de ter sido conduzido de outro modo, mas, então, o leite e o sangue já estavam derramados.

Nem o Hamas deveria ter sido boicotado, nem Gaza deveria ter sido sitiada. Israel nada ganhou nem com o boicote nem com o bloqueio. O resultado está aí, a vista de todos: estamos olhando para ele.

Desde a questão com a OLP (Organização de Libertação da Palestina), há anos, o rejeicionismo israelense nada trouxe de bom; só trouxe mais e mais violência, novos ciclos de violência e de radicalização, tanto dos palestinos quanto dos israelenses.

Hoje, o Hamas é mais forte do que era antes da guerra; a guerra sempre fortalece os extremismos, de todos os lados, o deles e o nosso. Depois a OLP converteu-se em Hamas e hoje é Jihad Mundial. Gaza não se tornou "moderada", como interessaria a Israel; está sangrando, devastada, e Israel nada lhe ofereceu, até hoje.

O sítio de Gaza fracassou, o bloqueio só trouxe danos, mesmo que se ignorem todos os seus aspectos ilegais e imorais. Agora, em vez de bloqueio – que a legislação internacional define como "castigo coletivo" e considera crime –, Israel está obrigada a abrir todas as passagens de fronteira. Abri-las, não fechá-las. Abri-las para a passagem de artigos de primeira necessidade, é claro, sim, e abri-las para a passagem de pessoas. Hoje. Abertura controlada, como em todas as fronteiras do mundo, mas abri-las.

Gaza precisa de uma passagem para o mundo, e essa passagem tem de passar por Israel. Israel não pode continuar a fingir que não ocupa Gaza há 40 anos, como se a ocupação não tivesse jamais existido e, agora, 'entregar' Gaza aos egípcios. O destino de Gaza é responsabilidade de Israel.

Passagens de fronteira desimpedidas e uma via livre de acesso aos territórios ocupados da Cisjordânia e com o mundo é um dos direitos básicos dos habitantes de Gaza.

Hoje, o primeiro-ministro de Israel, qualquer primeiro-ministro, todos os primeiros-ministros, têm de abrir diálogo com a Palestina, com toda a nação palestina. Não apenas mais um diálogo, diálogo por diálogo, como o escritor David Grossman sugeriu essa semana no Haaretz – Israel já consumiu sua quota de falsos diálogos – mas negociações práticas, com objetivo, determinadas, com o claro e declarado objetivo de pôr fim à ocupação. Assim se demonstraria o "poder de contenção", a mais importante de todas as promessas e de todas as soluções.

As negociações, agora, têm de visar ao estabelecimento de um Estado Palestino, nas fronteiras de 1967, que são as máximas fronteiras legais de Israel e as fronteiras mínimas, legais, da Palestina. Deve parar hoje a construção de qualquer colônia. Devem-se tomar as medidas necessárias para evacuar todas as colônias da face da terra.

Basta de conversas rasas e ocas sobre se Israel estaria "preparada" para a Solução dos Dois Estados. Basta de exibir pesquisas que mostram que isto ou aquilo seria "o que a maioria dos israelenses" deseja ou não deseja. Basta de repetir o que tantos políticos e diplomatas teriam algum dia dito, contra ou a favor do Estado da Palestina. É hora de fazer acontecer o Estado da Palestina.

De nada adianta falar com o presidente Mahmude Abbas (Abu Mazen) e, ao mesmo tempo, prosseguir a construção de mais uma colônia em Modi'in Ilit. É impossível continuar a falar só com Mahmude Abbas, porque ele é ontem, é o homem de ontem para os palestinos e só representa uma pequena parte dos palestinos.

Hoje, Israel tem que falar com o Hamas. Imediatamente. Pelo menos, tem de tentar falar com o Hamas.

Também no Hamas há homens prontos a por de lado sonhos de ontem e visões do futuro, em nome de construir um presente melhor.

É hora de libertar os prisioneiros, as centenas de prisioneiros, uns prisioneiros políticos, outros prisioneiros de guerra. Eles também têm de poder manifestar suas esperanças nacionais, hoje.

E também, imediatamente, Israel tem de dizer "Sim" à Síria, imediatamente, antes de que também esse momento propício seja desperdiçado: a paz, em troca das colinas de Golan. Hoje. É possível fazer a paz com a Síria, mediante negociações.

Ao mundo árabe, Israel tem de dizer: queremos discutir a iniciativa saudita.

À comunidade internacional e aos próprios israelenses, Israel deve declarar: erramos; cometemos o pecado de matar, por arrogância, nessa guerra; e pedimos perdão, do fundo do coração. Mas nem isso adiantará, se Israel não mudar, radicalmente, a direção do seu modo de pensar e de operar no mundo.

Precisamente a partir dessa guerra horrenda, Israel pode começar a mudar. A partir do luto, das ruínas, dos feridos. Basta.

Israel já provou seu prodigioso – talvez prodigioso demais – poder militar, inúmeras vezes, prodígio sobre prodígio, e o quanto Israel não tem nenhum poder de autocontenção.

Israel já provou que "o meu é maior", mais violento, mais mortífero. É possível mudar de direção agora, depois dessa guerra terrível, horrenda, tanto quanto, depois da Guerra do Yom Kippur foi possível fazer a paz com o Egito (paz que também poderia ter sido alcançada sem guerra).

Mas Israel sempre se repete: concessões, se alguma, só depois de banhos de sangue.

Levantar o sítio de Gaza, pôr fim ao bloqueio, dialogar com o Hamas, paz com a Síria, aceitar a iniciativa árabe – esses são passos práticos.

Mas, antes disso, tem de acontecer uma mudança de fundo, em Israel. Depois de décadas de demonização e desumanização dos árabes, é tempo, hoje, de reconhecer que são como nós, exatamente como nós, iguais a nós. Têm sentimentos, sonhos e direitos. Essa consciência humana basal é que foi apagada em Israel. Sem ela, Israel fracassará; com ela, tudo voltará a ser muito mais alcançável.

Por anos, a direita israelense banqueteou-se de palavras ocas e nada respondeu à mais simples das perguntas: Então, o que fazer?

Como estarão as coisas daqui a 20, 30 ou 50 anos? Então, os palestinos já serão maioria "entre o rio e o mar".

E a direita de Israel nada tem a dizer ou fazer. Nada, nenhuma resposta que não seja a guerra.

A esquerda tem resposta – que aqui escrevi. E os israelenses da "opinião pública" voltarão a condenar a esquerda ao ostracismo, ridícula esquerda, vão ignorá-la, vão acusá-la de ser "ingênua" ou acusarão a esquerda de "traição".

Que pelo menos ninguém diga que a esquerda de Israel não sabe o que propor, que não vê caminho e que não tenha posto o pé na rua, no caminho que vê – o caminho da paz, não da guerra – completa e sinceramente.

Gideon Levy é jornalista israelense. Publicado originalmente no jornal Haaretz (23/01/2009)

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25 janeiro 2009

em poucas palavras...

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Não esperem me ver de gravata na vida. Sou sério demais para a palhaçada do "ser sério". Minha seriedade não é deste mundo.
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Quer ter filhos? Comece por cultivar paciência infinita.
Já tem filhos e não tem paciência? Comece a aprender com urgência.
Não quer se dar o trabalho? Então depois não se queixe.
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Nos relacionamentos, se você não tenta controlar o outro, pode ser que dê certo, pode ser que dê errado;
se você tenta controlar, é certeza total que dê errado.   (FRASESINHA JÁ COM MUITOS ANOS, MAS É SEMPRE BOM RELEMBRAR)
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Uma borboleta de amarelo intenso mergulhou pra cima e depois para baixo e sumiu do meu campo de visão, nesta manhã de domingo dos 455 anos da monstruocidade de São Paulo. Menos de um segundo - mas iluminou a vida!
 
( Amig@s: lhes desejo hoje uma borboleta amarela para cada um de vocês!!!  E fui. )
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23 janeiro 2009

Pedagogia Waldorf e transformação social: compartilhando reflexões

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Compartilho aqui a mensagem que mandei hoje cedo aos colegas do curso Pedagogia da Arte da Paz, que é uma especialização em educação infantil com base na Pedagogia Waldorf
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Caros colegas
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Recebi a seguinte frase de Ivan Illich, o mais ferrenho e lúcido inimigo da instituição "escola" nos anos 70-80.
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Escola é a agência publicitária que faz você acreditar
que precisa da sociedade do jeito que ela está.
 
(School is the advertising agency which makes you believe that you need society as it is).
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É sério. E é por isso que até hoje trabalhei com educação fora da instituição escolar...  mas sem jamais perder a esperança de que possamos ter uma escola que seja outra coisa!
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Naturalmente a Waldorf já pretendia, desde o início, ser uma outra coisa - mas não me parece garantido que realmente cumpra o papel transformador para o qual foi concebida caso a gente não assuma isso conscientemente!
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Ontem, na aula da Prof.ª Helena Urben, falei várias coisas que ficaram pela metade... Uma delas foi a observação de que o sistema escolar alemão faz com que já aos 10 anos de idade a criança tenha que entrar por um ou por outro tipo  de carreira escolar num ato mais tarde irreversível - mantendo assim a divisão da sociedade entre elites dirigentes e técnicos executores (ainda que de alto nível). Hoje há tentativas (ainda não generalizadas) de retardar em dois anos essa decisão tão dramática, com os "Orientierungsstuffe", ou "séries de orientação".
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Mas o objetivo de ter falado disso era dizer o seguinte, que acabei não dizendo: é quando temos conhecimento desse sistema, que vem de séculos, que podemos avaliar o quanto a Escola Waldorf foi uma proposta socialmente revolucionária na Alemanha - pois ela fura essa divisão ao oferecer uma escola única e abrangente até o fim do Ensino Médio. E isso eu só percebi de ontem para hoje, a partir daquelas questões que surgiram na aula da Helena.
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Nunca se deve desconsiderar que Rudolf Steiner propôs a Trimembração Social e a Pedagogia Waldorf ao mesmo tempo, no ano em que terminou a I Guerra Mundial (1919), as duas explicitamente como investimentos na criação de uma sociedade mais sã, diferente da anterior, que havia conduzido inevitavelmente à tragédia da guerra.
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Acontece que no Brasil a linha de divisão social se mostra no sistema escolar em outros pontos, não no mesmo que na Alemanha.
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E isso significa que não basta reproduzir as formas como são praticadas na Alemanha para que a Educação Waldorf tenha aqui o efeito socialmente sanante que tem lá (ou que ela foi projetada para ter). Aqui o desafio talvez seja muito maior, parece impossível mesmo... 
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... mas se não estivermos preocupados em descobrir como conferir à Educação Waldorf realizada no Brasil uma função socialmente sanante como a que lhe foi destinada em seu contexto original, então ainda estaremos papagaiando formas sem realizar a essência da PW. (Essência = o que faz alguma coisa ser o que ela é).
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Tenho certeza de que ninguém tem resposta suficiente a essa questão, até agora. Isto é: que ela é um desafio para nós e para as próximas gerações. (Motivo bastante para nos manter vivos e atuantes pelas próximas décadas, talvez séculos...)
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Isto não é uma exposição de idéias já organizadas de antemão, é uma reflexão "em voz alta", em que vou percebendo novos aspectos à medida em que escrevo - mas a vontade de compartilhar com os colegas foi forte, então aí está.
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Abraços a tod@s,
Ralf
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22 janeiro 2009

21 janeiro 2009

genocídios do Gueto de Varsóvia e de GAZA: qual a diferença??

Sou um homem: nenhum assunto humano eu considero alheio a mim. (Terêncio, dramaturgo romano)
Recebi com textos em inglês, traduzi e repasso.  Meu próprio artigo detalhado sobre o assunto ainda pode demorar um pouco. Sei que tudo o que conseguirmos fazer ainda é pouco.

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material selecionado e compartilhado por Ralf Rickli
arte em idéias, palavras & educação •
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Gueto de VARSÓVIA - Gueto de  GAZA
uma comparação de imagens reais
 
 
     CONSTRUÇÃO DE MUROS E CERCAS PARA MANTER PESSOAS APRISIONADAS

PONTOS DE CHECAGEM PARA NEGAR ÀS PESSOAS
O DIREITO BÁSICO DE IR E VIR

 

DETENÇÕES E MOLESTAMENTOS

 

DESTRUIÇÃO DE LARES E DE MEIOS-DE-VIDA

PRESENTES (COM CARINHO)
DOS FILHOS DE PAÍSES CIVILIZADOS E AMANTES DA PAZ
(sugiro estar prevenido para o impacto de muitas das imagens)

 

A PROPAGANDA CLÁSSICA EMITIDA PELA MÁQUINA:
vocês podem encontrar a foto em preto & branco em todos os livros de História,
enciclopédias, bibliotecas, museus etc. dos EUA e de alguns outros países.

A foto mostra um menino judeu com mãos ao alto enquanto as tropas nazistas
apontam seus fuzis para ele e seus familiares para expulsá-los de sua casa.
A intenção é provocar empatia com as vítimas e levantar apoio
à sua causa por justiça e pelo direito a uma pátria.

MAS QUAL É A DIFERENÇA ENTRE AS TÁTICAS
DOS NAZISTAS DE ENTÃO E AS DOS ISRAELENSES DE HOJE?

 

…POR FAVOR PASSE ADIANTE.


                                                                         MORALES

19 janeiro 2009

petição Tribunal Penal Internacional para Israel

Já estou dentro. Para quem precisa de razões, há diversas nos posts anteriores do meu blog, e ainda virão mais - inclusive apontando os aspectos ditos teológicos envolvidos. Mas vamos logo - não dá pra deixar a questão esfriar mais uma vez. Estamos sendo pessoalmente agredidos a cada agressão dessas à humanidade! (Ralf)


  Israel deve ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional
- Petição universal
-

LINK NO PÉ DA PÁGINA PARA ASSINAR 


Por volta de 300 ONG e associações solicitarão que o Fiscal do Tribunal Penal Internacional investigue os crimes de guerra cometidos por Israel em Gaza. O apoio da cidadania é indispensável. Pede-se para assinar e difundir esta «petição universal». É urgente.

Ao Fiscal do Tribunal Penal Internacional (TPI)

O Direito é a marca da civilização humana. Cada progresso da humanidade coincidiu com a consolidação do Direito. O desafio que nos impõe a agressão de Israel contra Gaza consiste em afirmar, no meio do sofrimento, que à violência deve responder a justiça.

Crimes de guerra? Apenas os tribunais os podem condenar. Mas todos devemos dar testemunho, pois o ser humano só existe na sua relação com os outros. As circunstâncias dão toda a sua dimensão ao artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: «Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados como estão de razão e consciência, devem agir uns para os outros em espírito de fraternidades».

A protecção dos povos, não a dos Estados, é a razão de ser do Tribunal Penal Internacional. Um povo sem Estado é o mais indefeso de todos e, ante a História, encontra-se situado sob a protecção das instâncias internacionais. O povo mais vulnerável deve ser o mais protegido. Ao assassinar a população civil palestiniana, os carros de combate israelitas fazem sangrar a humanidade. Lutámos para que o poder do Fiscal geral esteja ao serviço de todas as vítimas e esta competência deve permitir que o mundo inteiro receba uma mensagem de esperança, a da construção de um Direito Internacional baseado no direito das pessoas. E, juntos, um dia poderemos prestar homenagem ao povo palestino por tudo aquilo com que contribuiu para a defesa das liberdades humanas.

Campanha iniciada em 19/01/2008

Para participar visite a página
 
 

15 janeiro 2009

Tentando esclarecer UMA PIADA

Pessoal - em 15 março de 2008 recebi um simpático desenho com um slogan de campanha pró-vegetarianismo. Apesar de bem intencionado, o slogan apresentava uma falha de redação que o deixava aberto para interpretações diferentes da pretendida. Aí, para chamar atenção para o fato (inclusive para ajudar a melhorarem a campanha) postei aqui no blog COMO  PIADA o desenho com o slogan, mais a interpretação que está naturalmente implícita naquela formulação do slogan.
 
Passados 10 meses, não paro de receber comentários a essa postagem, alguns anônimos e francamente agressivos. Há poucos dias, porém, uma pessoa chamada Abilaine postou um comentário pedindo esclarecimentos. Acabo de escrever uma resposta detalhada a ela - e achei por bem republicar aqui, em página mais atual, o "desenho da discórdia", a mensagem da Abilaine, e a minha resposta a ela. Vamos lá?
 
Desenho original:
 
Comentário ralfiano de 15/03/2008: 
 
MORALIDADE: só coma o animal
que você ama... 
:-)
 
Comentário de Abilaine em 11/01/2009:
só coma o animal
que você ama... :-)
- nao entendi muito, eu sou vegetariana, vc quiz dizer no sentido em que as pessoas nao comeriam os animais que amam? tipo, eh obivio que nao comeriam seu cachorro, entao iriam pensar? bom, sei la !
Minha resposta hoje (15/01/2009):
 
Obrigada pelo seu comentário, Abilaine. Acho que vai ser preciso esclarecer que com essa brincadeira eu NÃO estava me posicionando quanto ao vegetarianismo nem o carnivorismo (apesar de alguns povos como chineses e coreanos comerem gatos e cachorros sim).
 
Meu assunto aqui não foi a alimentação, e sim a LINGUAGEM, as armadilhas da COMUNICAÇÃO COM PALAVRAS - pois é ESSA a minha especialidade, não outra. Acontece que, embora bem intencionado, o slogan em questão foi MAL REDIGIDO. A língua portuguesa às vezes é muito sutil. O que se queria dizer ficaria inequívoco se o slogan fosse: "Animais: por que alguns você ama, e outros você come?" - Mas O JEITO QUE ESTÁ REDIGIDO sugere em primeiro lugar: "se você ama alguns animais, você não deveria comer OUTROS". Não sou eu que estou dizendo, entende? Estou apenas apontando que essa é a mensagem inevitavelmente implícita na forma bem intencioada porém mal redigida em que o slogan foi divulgado.
 
Mas existe aí também um SEGUNDO passo humorístico. Talvez VOCÊ não ache graça em humor com conotações sexuais, mas te digo que mais de 90% dos brasileiros ACHA graça nesse humor; é uma parte integrante forte na cultura brasileira, de origem indígena - por isso é etnocêntrico e arrogante quando pessoas de cultura fortemente europeizada viram as costas para essa característica da cultura popular majoritária, desprezando-a como vulgar.
 
A questão aqui tem a ver com o outro sentido do verbo "comer", no português coloquial, que é manter relações sexuais. Com esse sentido, a redação que está lá sugere que se trate de UMA CAMPANHA PELA MONOGAMIA, e não pelo vegetarianismo, tornada ainda mais cômica por chamar o parceiro (evidentemente HUMANO) de "animal", de um modo como certa população machista mais bruta ainda faz (p.ex., dizer "mulher é bicho burro").
 
Ou seja, tirado do contexto do desenho o slogan poderia significar: "só faça sexo com quem você ama, e não com outros", porém da forma extremamente canhestra, atrapalhada, de algum brutalhão que estivesse tentando ser delicado ou correto... E para quem não é desprovido de senso de humor essa imagem É engraçada, porque estapafúrdia.
 
O humor é uma das características exclusivas mais importantes do ser humano. Sobretudo o SABER RIR DE SI MESMO, inclusive das suas próprias convicções e crenças (SEM deixá-las de levar TAMBÉM a sério) é um indicador inequívoco da saúde mental e emocional. As violências mais terríveis foram perpetradas por líderes que não tinham senso de humor - que só se levavam a sério.
 
Tudo isso está implícito na minha brincadeira com o slogan bem intencionado porém mal redigido dessa campanha em prol do vegetarianismo. Será que agora está mais claro?
 
Abraços a tod@s!!
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14 janeiro 2009

Gaza como exemplo do Etnocentrismo x Direito Internacional

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Artigo importante de filósofo francês saído no Le Monde Diplomatique de Portugal.
Os fatos históricos têm sido inequívocos ao longo dos séculos, chega de se iludir com douramentos de pílula...
(Ralf)
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http://pt.mondediplo.com/spip.php?article433

Gaza: o direito, a «desproporção» e os «bárbaros»

(inédito)

por Alain Gresh


Ao mesmo tempo que decorrem as primeiras conversações diplomáticas, que mais parecem uma cortina de fumo que permitirá ao exército israelita prosseguir a ofensiva em Gaza, sucedem-se as notícias, sinistras e esmagadoras.

«Fora de Gaza, poucas pessoas calculam o horror da situação», declara John Ging, há três anos responsável pelas operações da Agência das Nações Unidas de Ajuda aos Refugiados Palestinianos (UNRWA) em Gaza, numa entrevista ao jornal Le Monde de 7 de Janeiro. É verdade que o governo israelita (democrático, evidentemente) proibiu que a imprensa se deslocasse ao terreno…

As Nações Unidas desmentiram a existência de combatentes na escola bombardeada pelo exército israelita a 6 de Janeiro, operação que fez mais de quarenta mortos.

Numa declaração datada de 6 de Janeiro, o alto-comissário das Nações Unidas para os refugiados, António Guterres, afirmou que Gaza é o «o único conflito do mundo em que a população não tem sequer o direito de fugir».

Richard Falk, professor de direito internacional na Universidade de Princeton e relator especial para os territórios palestinianos da ONU, foi expulso de Israel por ter denunciado os crimes contra a humanidade cometidos por Israel na Palestina antes mesmo do ataque de 27 de Dezembro.

Poderíamos ficar impressionados com algumas declarações como estas e ser levados a pensar que a intervenção israelita é desproporcionada, quaisquer que sejam os critérios adoptados. Mas felizmente em França há filósofos que nos esclarecem e nos guiam pelo caminho certo…

André Glucksmann andava silencioso desde o início da crise mas, indignado pelo que viu e leu, decidiu falar. Num artigo de opinião publicado a 6 de Janeiro pelo Le Monde com o título «Gaza, une riposte excessive?» (Gaza, uma resposta excessiva?), escreveu o seguinte: «É forçoso destacar a palavra que se destaca e cimenta um terceiro tipo de incondicionalidade, a que condena urbi et orbi a acção de Jerusalém como sendo "desproporcionada". Um consenso universal e imediato legenda as imagens de Gaza sob as bombas: Israel está a ser desproporcionada».

(...)

«Quando se aprofunda os subentendidos da crítica bem-pensante da "reacção desproporcionada", descobre-se o quanto Pascal tem razão e que "quem quer fazer de anjo, faz de besta». Todos os conflitos, adormecidos ou em ebulição, são por natureza "desproporcionados". Se os adversários se entendessem sobre o uso dos meios de que dispõem e sobre os objectivos que reivindicam, deixariam de ser adversários. Quem diz conflito diz desentendimento, e portanto esforço de cada campo para apostar nos seus pontos fortes e explorar as fraquezas do outro. O Tsahal não se abstém de o fazer, "aproveitando" a sua superioridade técnica para atingir os seus objectivos. E o Hamas também não, utilizando a população de Gaza como escudo humano sem subscrever os escrúpulos morais e os imperativos diplomáticos do seu adversário.»

Assim, portanto, segundo o nosso filósofo teríamos dois adversários que disporiam, ambos, de um certo número de trunfos e que jogariam com eles no seu melhor interesse.

Durante a guerra que Israel conduziu contra o Líbano, no Verão de 2006, já um outro filósofo bem-pensante, Bernard-Henri Lévy, tinha escrito na sua crónica de 20 de Julho no jornal Le Point – gentilmente posta na Internet pela embaixada de Israel em Paris – que, não sendo «grande especialista em questões militares», não compreendia o sentido da palavra «desproporção». E justificava o bombardeamento das estradas, das infra-estruturas e do aeroporto, que serviriam para transportar as armas do Hezbollah.

Não é preciso ser especialista em questões militares para saber que o direito internacional estabeleceu, desde há muito tempo, as regras dos conflitos armados e que esse direito se aplica a todos os protagonistas da guerra, estatais ou não, seja qual for a legitimidade da sua causa. Este é, aliás, o mesmo direito internacional que os dois filósofos não param de invocar quando falam da Tchetchénia, do Tibete ou do Kosovo. Mas, para eles, este direito pára nas fronteiras de Israel.

Recordemos alguns princípios, estabelecidos através da adopção das Convenções de Genebra relativas à protecção das populações, em 12 de Agosto de 1949, e de dois protocolos adicionais, em Junho de 1977. A Convenção de Genebra proíbe qualquer uso «desproporcionado» da força.

Além disso, o artigo 48 do primeiro protocolo adicional explicita uma regra fundamental: «A fim de assegurar o respeito pela população civil e necessidades de carácter civil, as partes em conflito devem distinguir constantemente a população civil dos combatentes, bem como os bens de carácter civil dos objectivos militares».

O artigo 54 do mesmo protocolo explicita o seguinte: «É proibido utilizar contra os civis a fome como método de guerra (…). É proibido atacar, destruir, subtrair ou impedir o uso dos bens indispensáveis à sobrevivência da população civil».

Mas os nossos dois filósofos não estão completamente enganados. Já o sabemos desde a Grécia Antiga. Os dirigentes atenienses explicaram-no desta forma aos seus homólogos da ilha de Melos, que queriam subjugar: «No mundo dos homens, os argumentos do direito só pesam na medida em que os adversários em presença disponham de meios equivalentes e, se não for esse o caso, os mais fortes tiram todo o partido possível do seu poder, enquanto os mais fracos apenas podem vergar-se».

Estas teses e as de muitos órgãos de comunicação social têm subjacente um outro argumento, o de que o direito internacional não se aplica aos «bárbaros». Num artigo no Le Monde diplomatique deste mês, intitulado «A memória recalcada do Ocidente», cito Heinrich von Treischke, um alemão especialista em ciências políticas, que em 1898 escreveu o seguinte: «O direito internacional transforma-se em meras frases quando também queremos aplicar os seus princípios aos povos bárbaros. Para punir uma tribo de pretos, é preciso queimar as aldeias deles; se não ditarmos o exemplo desta maneira não conseguiremos nada. Em casos semelhantes, se o império alemão aplicasse o direito internacional, isso não seria um caso de humanidade ou de justiça, mas de uma vergonhosa fraqueza». Universalismo dos direitos humanos, sim, mas só para os brancos…

Num livro notável, Exterminez toutes ces brutes (Le Serpent à plumes, 1998) Sven Lindqvist recordou que em 1897 a Europa inventou as balas dundum, que provocavam ferimentos particularmente graves. Dois anos mais tarde, estas balas foram proibidas pela Convenção Internacional de Haia, antepassada da Convenção de Genebra. A partir desse momento essas balas deviam estar reservadas «à caça de animais de grande porte e às guerras coloniais».

quinta-feira 8 de Janeiro de 2009

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Ralf Rickli • arte em idéias, palavras & educação
http://ralf.r.tropis.org • (11) 8552-4506
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10 janeiro 2009

drama de Gaza: informações históricas essenciais

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INFORMAÇÕES ESSENCIAIS PARA ENTENDER E PODER SE POSICIONAR COM LUCIDEZ
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10/01/2009 - 00h17

O que você não sabe sobre Gaza

The New York Times
 
Rashid Khalidi*
 
Quase tudo o que levaram você a acreditar sobre Gaza está errado. Abaixo estão alguns poucos pontos essenciais que parecem estar ausentes da conversa, grande parte da qual transcorrendo na imprensa, sobre o ataque de Israel à faixa de Gaza.

Os habitantes de Gaza

A maioria das pessoas que vivem em Gaza não está lá por opção. A maioria dos 1,5 milhão de pessoas espremidas nos aproximadamente 360 quilômetros quadrados da faixa de Gaza pertence a famílias que vieram de cidades e aldeias fora de Gaza, como Ashkelon e Beersheba. Elas foram expulsas para Gaza pelo exército israelense em 1948.

A ocupação

Os moradores de Gaza vivem sob ocupação israelense desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Israel ainda é amplamente considerado um poder de ocupação, apesar de ter removido suas tropas e colonos da faixa em 2005. Israel ainda controla o acesso à área, as importações e exportações e a entrada e saída das pessoas. Israel tem controle sobre o espaço aéreo de Gaza e sua costa marítima, e suas forças entram na área à vontade. Como poder de ocupação, Israel tem a responsabilidade segundo a Quarta Convenção de Genebra de assegurar o bem-estar da população civil da faixa de Gaza.

O bloqueio

O bloqueio de Israel à faixa, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia, tem se tornado cada vez mais severo desde que o Hamas venceu as eleições para o Conselho Legislativo Palestino em janeiro de 2006. Combustível, eletricidade, importações, exportações e a entrada e saída das pessoas da faixa têm sido lentamente sufocados, levando à problemas de saneamento, saúde, abastecimento de água e transporte que colocam as vidas em risco.

O bloqueio sujeitou muitos ao desemprego, miséria e desnutrição. Isso representa uma punição coletiva -com apoio tácito dos Estados Unidos- de uma população civil por ter exercido seus direitos democráticos.

O cessar-fogo

A suspensão do bloqueio, juntamente com um cessar dos disparos de foguetes, foi um dos termos-chave do cessar-fogo de junho entre Israel e o Hamas. Este acordo levou à redução dos foguetes disparados de Gaza, de centenas em maio e junho para um total de menos de 20 nos quatro meses subsequentes (segundo números do governo israelense). O cessar-fogo foi rompido quando as forças israelenses lançaram um grande ataque aéreo e por terra no início de novembro; seis membros do Hamas teriam sido mortos.

Crimes de guerra

Atacar civis, seja pelo Hamas ou por Israel, é potencialmente um crime de guerra. Toda vida humana é preciosa. Mas os números falam por si só: quase 700 palestinos, a maioria deles civis, foram mortos desde o início do conflito no final do ano passado. Em comparação, cerca de uma dúzia de israelenses foram mortos, muitos deles soldados. Negociação é uma forma mais eficaz de lidar com foguetes e outras formas de violência. Isso poderia ter acontecido se Israel tivesse cumprido os termos do cessar-fogo de junho e suspendido o bloqueio à Faixa de Gaza.

Esta guerra contra a população de Gaza não se trata realmente de foguetes. Nem envolve a "restauração da dissuasão por Israel", como a imprensa israelense tenta fazer você acreditar. Mais reveladoras foram as palavras de Moshe Yaalon, o então chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa israelenses, em 2002: "Os palestinos precisam entender nos recessos mais profundos de sua consciência que são um povo derrotado".

*Rashid Khalidi, um professor de estudos árabes da Universidade de Colúmbia, é autor do futuro livro "Sowing Crisis: The Cold War and American Dominance in the Middle East" [Semeando crises: a Guerra Fria e o domínio americano no Oriente Médio].

Tradução: George El Khouri Andolfato