Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

27 dezembro 2007

Uma [teoria da] CASA, de presente para Ana Estrella no seu aniversário

Olá Ana Estrella,

você me pergunta como foi mesmo que eu defini "casa" na nossa conversa de ontem - mas eu não costumo gravar conversas de msn, então aquelas palavras exatas nunca mais... A idéia, de qualquer modo, era a seguinte:

A casa não é meramente um lugar onde você abriga o corpo, mas é um pedacinho do mundo exterior que você impregna com a sua alma. É um pouco do seu interior, exteriorizado. Faz parte ao mesmo tempo do mundo exterior, e de você: foi você que escolheu as coisas, pôs do seu jeito, impregnou até com o seu cheiro.

Por isso (e isto eu não disse ontem) a gente SE reconhece na nossa casa, seus detalhes e objetos. É um pouco como um espelho, mas de maneira ainda mais rica, pois não reflete apenas aquele mesmo instante e estado de alma (como faz a imagem do espelho - com a qual continuamos solitários, convivendo com uma imagem que apenas reafirma o mesmo tom que estamos emitindo a cada momento, perpétuo samba-de-uma-nota-só): na casa eu como que me reencontro em diferentes momentos e aspectos de mim, projetados em diferentes detalhes e aspectos da casa - detalhes e aspectos que vêm carregados da memória do momento em que foram adquiridos e de todos os momentos que já passaram conosco...

Desse modo a casa ajuda a tornar meu interior visível, não só aos outros a quem recebo nela como se fosse um pouco dentro de mim, mas visível também a mim mesmo - e me ajuda portanto a ordenar e a integrar diferentes partes de mim.

Fazemos isso sabendo ou não sabendo - mas saber pode ter uma grande utilidade: afinal nem sempre podemos estar em casa, e se eu sei que o que me acolhe em casa é menos a sua matéria que os aspectos de mim mesmo que estão projetados e impregnados naquela matéria... então sei que a essência da minha casa está comigo em qualquer lugar onde eu estiver. Assim como me reconheci no exterior, posso agora me voltar para dentro de mim e reconhecer minha casa no meu interior.

Talvez como o clarão da Terra que ilumina a Lua, e de lá ilumina mais uma vez a Terra: quando vemos a Lua quase-nova, geralmente não sabemos que a sutil luz azulada que vem da sua parte quase-escura é nossa própria luz.

Mas se eu souber que o calor que me vem da minha casa é meu próprio calor, então posso reduzir a sensação de estar sem lar e desamparado quando estiver longe dela: sei que a carrego dentro de mim onde eu estiver.

Pois na verdade la maison c'est moi (ou, tornando o francês mais correto e o trocadilho ainda mais infame: chez moi c'est moi): minha casa sou eu.

PS: o blog da Ana Estrella desta conversa é http://anaestrella.blogspot.com/
Hoje, 27/12, é aniversário dela... e então mando ESTA CASA de presente!

(Aliás, coitada... quem mandou ter pai metido a filosofador: ganha de presente UMA TEORIA DE CASA... Se eu tivesse me dedicado a ser capitalista, alto executivo ou outro tipo qualquer de ladrão, poderia dar uma casa de verdade... :(

Mas aí me pergunto: será que a tal casa, construída com trabalho alheio expropriado,
conseguiria ter esse calor de que falamos aqui? )

08 novembro 2007

Semana da Arte na Periferia - NA EFERVESCÊNCIA DO LANCE

Desculpem falar assim, mas...
é melhor e mais importante do que qualquer coisa que "vocês pra lá da ponte"
(na suposta não-periferia)
estão conseguindo pensar a respeito. 
Sem VER não vão ter idéia  m e s m o . . .

Compartilho abaixo:
(1) o endereço da EXPOSIÇÃO, que CONTINUA ABERTA até o fim de semana e que é um pecado perder!
(2) a parte performática da programação que ainda falta acontecer; 

(3) a excepcionalmente bem informada e não distorcedora matéria de Eleilson Leite no Le Monde Diplomatique Brasil (O biscoito fino das quebtradas);

(4) a programação que já rolou.
E tchau que eu vou correndo pra lá agora...  (Ralf Rickli / da Trópis / Zé Ralf)

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SEMANA DE ARTE MODERNA - ANTROPOFAGIA PERIFÉRICA

(1) Exposição coletiva com artistas da periferia
Expositores: Ricardo Akemi, Boicote, Ganu, Jair Guilherme Filho, Marcus Vinicius,
Michel Onguer, a trajetória vivida na periferia

Local: SACOLÃO DAS ARTES
End: Av. Cândido José Xavier 577 – Parque Santo Antonio
Obs.: o mesmo Parque que os Racionais MC cantaram como c* do mundo onde não acontecia nada de bom...


( 2) PROGRAMAÇÃO AINDA ACONTECENDO OU POR ACONTECER

QUINTA – 08/11 – C I N E M A

16h00 - Dança das Cabaças - Exu no Brasil - 54´
17h15 - Poeira - 5´
O Último da Fila - 10'
A Viagem – 12´
Paralelo: Espasmos de Realidade - 16'
18h15 - Defina-se - 4´
Nhanhoma Paulista - 2'
Cosmolho - 3'
19h15 - Onomatomania - 2´
2 Meses e 23 Minutos - 23'
Panorama: Arte na Periferia - 50´
20h30 – CONVERSA ENTRE CONVIDADOS E PÚBLICO
19h00 – Exibição de vídeos no Terminal Capelinha

Local: CEU CASA BLANCA
R. João Damasceno, 85 – Vila das Belezas

SEXTA: 09/11 – T E A T R O

08h30 - Café da manhã e colóquio com coletivos teatrais
11h00 - Band'doido apresenta "... Não é contar piada!".
14h00 - Cia. Diarte Teatral apresenta "Fragmentos de um poeta"
16h00 - UMOJA apresenta demonstração de processo do espetáculo "Quem me pariu?"
17h30 - Capulanas apresenta performance "Negra Poesia"
18h00 - Ação e Arte apresenta performance com trecho do seu novo espetáculo "X"
19h30 - Brava Companhia apresenta "A BRAVA"

Local: CENTRO CULTURAL MONTE AZUL
Av. Tomás de Souza, 552 – Jardim Monte Azul

SÁBADO: 10/11 – M Ú S I C A

Show com os grupos:

16h00 - Trio Porão
16h45 - Chapinha do Samba da Vela e Pagode da 27
17h30 - Wesley Noog
18h10 - B Valente
18h55 - Os Mamelucos
19h50 - Banda A
20h40 - Periafricania
21h35 - Preto Soul
11h05 - Versão Popular

Local: CASA POPULAR DE CULTURA M'BOI MIRIM
Av. Inácio Dias da Silva, s/nº - Piraporinha

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O biscoito fino das quebradas

Semana de Arte Moderna da Periferia começa dia 4, em São Paulo. Programa desmente estereótipos que reduzem favela a violência, e revela produção cultural refinada, não-panfletária, capaz questionar a injustiça com a arma aguda da criação

Eleilson Leite

Chegou a hora. A hora e a vez da cultura de periferia. Começa, neste domingo, 4 de novembro, a Semana de Arte Moderna da Periferia , evento realizado pela Cooperifa – Cooperativa dos Artistas da Periferia, junto com mais de 40 grupos culturais. Às 11 horas, tem início uma caminhada que parte da Ponte do Socorro com destino à Casa de Cultura do M'Boi Mirim. Os cerca de três quilômetros serão percorridos por intrépidas trupes, malabares, poetas engajados e outros apaixonados. Atrizes e atores celebrarão a retomada das ruas e praças como palco. Músicos tocarão tambores, violões, atabaques, numa exaltação à Periferia. Será um levante do povo trabalhador em nome do amor, da cor e da paz.

Na segunda-feira, dia 5, as atenções estarão voltadas para as artes plásticas. Oficinas acontecerão no Sacolão das Artes durante o dia. À noite, rola um vernissage de exposição coletiva com diversos artistas. Destaque para o trabalho de grafite em tela. A rapaziada que maneja os sprays está se aperfeiçoando cada vez mais na transposição de suas obras do muro para as telas. Mas também tem instalações, esculturas e pinturas em diferentes suportes.

Terça-feira (6/11) é o dia da dança. Certamente foi difícil para os organizadores fechar essa programação, tamanho o número de artistas que se dedicam à arte do corpo. Nesse dia, teremos uma bem concebida interação de linguagens artísticas. Poetas da Cooperifa farão intervenções e cineastas exibirão vídeos sobre o tema do dia. E, claro, vai ter muita dança. Destaco o Grupo Espírito de Zumbi, que faz dança afro de altíssima qualidade. Vale a pena. Todas as atividades deste dia acontecerão no CEU Campo Limpo.

Quarta-feira (7/11) é dia de Sarau da Cooperifa. É também o dia da literatura. Essa vai ser a noite da glória. "Nesta noite, os anjos e os espíritos têm licença do Senhor para descer com seus decretos", já dizia o poeta Gaspar do Z'África Brasil. E o grande destaque do dia será mesmo o Sarau. Para lá vão convergir todos os artistas de todas as quebradas. O Bar do Zé Batidão ficará pequeno. Então chegue cedo. Aliás, chegue às 17h na Casa de Cultura do M'Boi Mirim, onde o poeta Sergio Vaz coordenará um debate sobre produção literária da Periferia. Na mesa, a presença de Alessandro Buzo, Sacolinha, Elizandra Souza e deste que escreve essas mal traçadas linhas.

Derrubar o mito piedoso da pobreza em sofrimento permanente

O Cinema na Semana de Arte Moderna terá lugar na quinta-feira (8/11). E a programação é de perder o fôlego. São cerca de 15 produções, todas de cineastas periféricos. Começa as 16h com o belíssimo "Dança das Cabaças: Exu no Brasil", de Kiko Dinucci (média metragem), e termina com outro documentário, absolutamente fundamental para se entender a cultura suburbana: "Panorama: Arte da Periferia", de David Vidad, Anabela Gonçalves e Daniela Embóm. Mas não deixe de ver o filme "Vaguei nos Livros e me Sujei com a M... Toda", de Akins Kinte, Mateus Subverso e Allan da Rosa. Esse documentário fala de literatura e negritude, com depoimentos de escritores e escritoras que encontraram nas letras a afirmação de sua identidade de raça, de classe e de gênero. O CEU Casablanca será o endereço do cinema periférico.

Na sexta-feira, o teatro entra em cena. O dia começa com um café da manhã. As 8h30, diversos coletivos teatrais da periferia farão um colóquio regado a pingado e pão com manteiga. Às 11h, começa a jornada cênica que vai até às 20h30. Serão oito apresentações. Destaque para o grupo UMOJA que vai demonstrar o processo do espetáculo "Quem me pariu". Tudo no Centro Cultural Monte Azul.

Sabadão chegou e a música vai tomar conta no encerramento da Semana de Arte Moderna da Periferia. O palco da Casa de Cultura do M'Boi Mirim vai ferver ao som do Trio Porão, Chapinha, do Samba da Vela que vai tocar com a rapaziada do Pagode da 27. Wesley Nóog apresentará seu samba-rock super swingado. Os mamelucos, B Valente e Banda A entram na seqüência. Às 20h40, quando a chapa já estiver em alta temperatura, sobe ao palco o Periafricania. Depois o grupo Preto Soul apresentará uma black music de primeira. A noite termina com o grupo Versão Popular. Ninguém vai ficar parado.

A Semana de Arte da Periferia mostrará que na favela a vida é bela, apesar da mazela. Os arrabaldes das metrópoles também têm seus encantos. Talvez seja desnecessário eu fazer essa ressalva. O leitor sabe disso. Mas o estereótipo é implacável. Quem não tem contato com o subúrbio acaba incorporando involuntariamente o imaginário segundo o qual os habitantes dos fundões das cidades são gente condenada à desgraça do mundo. Famélicos que não vivem, apenas agüentam, como disse o cantor popular. E é a graça de viver na periferia que será celebrada neste evento histórico. Mas não será algo ingênuo, despolitizado. Ao contrário. Ele expressará a crítica com a contundência que muitas vezes o discurso militante não consegue ter. O poeta toca a alma de quem o escuta. Então, vá lá ver, sentir e escutar. Será um evento único. Não tem outra edição programada. Talvez numa outra efeméride (90 anos, 100 anos... ) se faça um novo levante cultural antropofágico. Por isso, caro leitor, não perca. Confira a programação completa e participe.

Mais

Veja aqui a programação completa da Semana de Arte Moderna da Periferia

Eleilson Leite é colunista do Caderno Brasil de Le Monde Diplomatique. Edição anterior da coluna:

A arte que liberta não pode vir da mão que escraviza
Vem aí Semana de Arte Moderna da Periferia. Iniciativa recupera radicalidade de 1922 e da Tropicália, mas afirma, além disso, Brasil que já não se espelha nas elites, nem aceita ser subalterno a elas. Diplô abre coluna quinzenal sobre cultura periférica

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(4) JÁ (MEMORAVELMENTE) ACONTECIDO

DOMINGO: 04/11 às 11h00 – C A M I N H A D A C U L T U R A L


Trajeto entre o Largo do Socorro e Casa de Cultura M'Boi Mirim (Lgo de Piraporinha)

SEGUNDA: 05/11 – A R T E S P L Á S T I C A S

11h00 – Oficinas de artes plásticas
19h00 – Exposição coletiva com artistas da periferia.
Expositores: Ricardo Akemi, Boicote, Ganu, Jair Guilherme Filho, Marcus Vinicius,
Michel Onguer, a trajetória vivida na periferia.

Local: SACOLÃO DAS ARTES
End: Av. Cândido José Xavier, 577 – Parque Santo Antonio

TERÇA: 06/11 – D A N Ç A

TARDE:
14h00 - MOSTRA DE VIDEO
14h30 - PALESTRA / DEBATE
15h30 - WORKSHOP / DANÇAS
-intervenções poéticas (em todos os intervalos)
NOITE:
18h00 - MARANA CAPOEIRA
Roda de capoeira: Angola / Regional.
18h30 - FLOR DE LIS (grupo da melhor idade)
Coreografia: Dança Indígena
19h30 - PROJETO DIVERSIDANÇA
Coreografia: Danças da Peneira (Flor de lis)
20h00 – CIA. SANSACROMA (afro contemporâneo)
20h30 – ESPÍRITO DE ZUMBI (Afro Brasileiro)

Local: CEU CAMPO LIMPO
Av. Carlos Lacerda, 678 – Campo Limpo

QUARTA: 07/11 – L I T E R A T U R A

17h00 – DEBATE: "A produção literária na periferia",
Debatedores: Debatedores: Alessandro Buzo – Sacolinha
Elizandra Souza - Antonio Eleilson. Mediação: Sérgio Vaz

Local: CASA POPULAR DE CULTURA M'BOI MIRIM
Av. Inácio Dias da Silva, s/nº - Piraporinha.

20h00 – SARAU DA COOPERIFA

Local: BAR DO ZÉ BATIDÃO
R. Bartolomeu dos Santos, 797 – Chácara Santana

Informações: (11) 9342-8687 / 8358-5965cooperifa@gmail.com

04 novembro 2007

RETORNO

As intenções deste blog sempre foram amplas,
mas por várias razões só cheguei a usá-lo na campanha eleitoral de 2006
- situação evidentemente polêmica...

De lá para cá, precisei me mudar mais uma vez para São Paulo, depois de 5 anos e meio no litoral...
e o remanejamento das minhas atividades faz que seja pra lá de oportuno reativar o blog!

Hoje é um momento apenas de reorganização do espaço... mas em breve haverá bem mais.
Espero mesmo que este blog possa ser o ponto de encontro que pode e que deve ser!!!

Abraços a tod@s!!!